A Voz Suprema do Blues não nega a sua origem teatral. Adaptação da peça escrita por August Wilson, mesmo autor de Fences – Um Limite entre Nós, é um filme de atores, e de diálogos, no qual as performances do elenco, e o duelos de falas, por vezes se sobrepõem à narrativa, à trama, que tem uma base factual – a história da cantora negra e lésbica Ma Rainey (Viola Davis) e sua relação conturbada com a indústria musical da Chicago dos anos 1920.
Esse é, digamos, o pano de fundo factual, mas o que interessa a Wilson, e ao diretor do filme, George C. Wolfe, é capturar a tensa escalada de conflitos em um momento muito específico na trajetória da artista: a gravação de um disco na Chicago dos anos 1920.
Ma Rainey, vivida esplendidamente por Viola Davis, trava um tenso duelo com executivos brancos e com um dos integrantes de sua banda, formada inteiramente por negros: o trompetista Levee, um sujeito irrascível, repleto de dores existenciais, que desafia a cantora. Ela conduz a banda com mão-de ferro e rechaça qualquer tentativa de desafio à sua autoridade, mas ele a provoca, insiste.
Quem interpreta o músico, com maestria, é Chadwick Boseman (astro de Pantera Negra), morto no ano passado, vítima de câncer. Ele era o favorito ao Oscar 2021 de melhor ator, mas perdeu a estatueta para o veterano Anthony Hopkins, magistral em Meu Pai.
É notável o embate cênico entre Viola e Boseman, graças às falas cortantes do roteiro, adaptado por Ruben Santiago-Hudson, que presenteia o elenco com grandes cenas, nas quais os personagens trazem à tona suas dores, ressentimentos e tormentos.
Quem interpreta o músico, com maestria, é Chadwick Boseman (astro de Pantera Negra), morto no ano passado, vítima de câncer.
Ainda que, em muitos momentos, o filme, uma produção da Netflix, pareça engessado por sua teatralidade, o que pode incomodar o espectador pouco disposto a prestar atenção ao texto, às falas e às atuações, A Voz Suprema do Blues tem grandes méritos estéticos e técnicos.
Vencedor dos Oscar nas categorias de melhor figurino e cabelo & maquiagem, a produção encontra grande potência em sua fotografia, assinada pelo alemão Tobias A. Schliessler (de Dreamgirls – Em Busca de um Sonho), que banha com luz as peles negras e suadas de seus personagens. Eles ganham um tom dourado, que os faz brilharem na tela. O filme, afinal, é deles.
A direção de Wolfe valoriza o elenco, com close-ups que buscam os olhos incandescentes dos personagens. Muitos deles ganham monólogos e solilóquios (em que pensam em voz alta), muitos deles devastadores.
O filme, como se vê, não foge da dinâmica teatral, uma vez que essas digressões nunca escapam do espaço cênico. Essa escolha transforma a gravadora, o estúdio, em uma espécie de prisão, claustrofóbica. Ma Rainey, por mais que tivesse fama e algum poder, também parece imobolizada por essa hiperestrutura comandada por homens brancos.
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