Antes de haver George Michael, houve um grupo chamado Wham!. E talvez você nem desconfie, mas esse duo – formado por dois amigos da escola – foi um fenômeno absoluto na música pop por breves quatro anos, até que o vocalista principal seguisse a carreira solo. Esta história divertida e surpreendentemente leve é contada no documentário Wham!, da Netflix, que é uma escolha ideal no catálogo da plataforma para quem gosta de música.
Não espere escândalos, revelações e fofocas – mesmo que seja divulgado, em alguns portais, que o filme traz à tona “segredos” de George Michael. Talvez justamente por isso, o documentário vai na contramão dos relatos propositadamente escandalosos em busca de um clique. Pelo contrário: no fim das contas, Wham! é muito mais uma celebração à amizade do que, necessariamente, um grande registro sobre a história da música pop.
Na verdade, o filme baseia-se em uma série de recortes de imagens e depoimentos dados por George Michael (cujo nome verdadeiro era Georgios Kyriacos Panayaiotou e tinha ascendência grega) e seu amigo de escola Andrew Ridgeley, a dupla que formou o Wham!. Com personalidades bem diferentes, eles logo se aproximaram na escola e criaram uma relação de profunda parceria. Yog (apelido dado por Andrew ao amigo) era um rapaz tímido e introvertido, mas com uma grande voz e um talento para a composição. Andrew, por outro lado, era um líder nato e personificava um espírito de diversão, além de ser bonito e atraente às mulheres.
No tempo livre, a dupla começou a brincar de fazer músicas em casa, com uma forte pegada pop dançante. Mas, para estranhamento de muitos, suas canções, embora fossem animadas, refletiam o espírito da Grã-Bretanha do início dos anos 80, discutindo a ausência de empregos para os jovens e as angústias do crescimento. Fizeram uma música bastante original entre pop, rap e até ska.
Depois de bater na porta de algumas gravadoras sem sucesso, finalmente Yog e Andrew recebem uma chance de gravar alguns de seus singles. Nasciam a partir daí músicas que se tornariam hits globais, como “Wake Me Up (Before You Go Go)”, “Young Guns”, “Wham Rap” e a indefectível “Careless Whisper”, que hoje é decodificada (com certa injustiça) como um clássico de motéis baratos. Um feito realmente exuberante para dois meninos de vinte e poucos antes que conseguiram chegar ao estrelato mundial antes de que houvesse uma verdadeira indústria da música pop, em que quase tudo é produzido a partir de fórmulas.
Momentos alegres e música nostálgica
Fica bastante claro que era evidente para ambos que o verdadeiro talento musical estava em George Michael, que um dia seguiria a carreira solo e viraria um grande performer – o que de fato aconteceu.
A Netflix categoriza o filme dentro de uma tag denominada “Alto-astral”. É uma escolha muito justa: a sensação trazida por Wham! é de uma deliciosa nostalgia sobre uma história leve e sem grandes dramas – o que, por si mesmo, a torna excepcional dentro do mundo da música.
Conforme já dito, toda a narrativa é contada apenas pelos próprios George Michael e Andrew Ridgeley, em trechos de entrevistas que foram costurados para formar uma imensa colcha linear de histórias (há também muitas imagens de arquivos que foram coletadas por anos pela mãe de Andrew, que fazia scrapbooks sobre o grupo). O principal drama que interfere na banda é a dificuldade de Michael de lidar com a sua homossexualidade ainda reprimida (ele só se assumiria publicamente em 1998), embora sempre tenha sido compartilhada com o melhor amigo.
Fica bastante claro que era evidente para ambos que o verdadeiro talento musical estava em George Michael, que um dia seguiria a carreira solo e viraria um grande performer – o que de fato aconteceu. As falas dos dois sugerem que tinham consciência disso, e que Andrew Ridgeley era bastante generoso para abrir o espaço para que o amigo seguisse sozinho rumo ao estrelato.
É uma bela história que celebra a beleza e a leveza rara de uma amizade entre artistas que galgaram o topo – e não há nada que sugira que não tenha sido isso o que realmente aconteceu. Contudo, uma possível crítica ao documentário estaria justamente em sua limitação ao lidar apenas com os arquivos históricos das entrevistas dadas pelos dois, sem quaisquer contrapontos à trama.
Wham! se estende até o momento em que o grupo se separa, em 1986, abrindo o caminho para que George Michael se tornasse um superstar mundial. Soa um pouco estranho, no entanto, quando lembramos que Michael morreu na noite de Natal de 2016 em uma situação obscura (teoricamente, por uma insuficiência cardíaca), o que levou muita gente a especular sobre sua relação com drogas no passado.
Assim, a escolha de finalizar Wham! sem qualquer menção ao que ocorreu depois parece meio desconexo – mas, ainda assim, deixa claro que George Michael, um dos grandes artistas das últimas décadas, merece todas as homenagens.
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