Zuleika Angel Jones reverbera até os dias de hoje como um dos mais prestigiados nomes da moda brasileira. No filme de Sérgio Rezende, Zuzu Angel (2006), a história da estilista é representada durante os anos em que esteve em busca de seu filho, o militante político Stuart Angel Jones, que foi preso, torturado e assassinado durante o período da ditadura militar no Brasil na virada dos anos 60 para os anos 70.
Após a incessante busca pelo paradeiro do filho, que culminou em repercussão internacional, Zuzu sofreu uma morte fatal em um túnel no Rio de Janeiro, entre São Conrado e a zona da sul da capital — e, nos dias de hoje, recebeu seu nome em homenagem. Foi apenas em 2014, durante a Comissão da Verdade, que o ex-agente de repressão Cláudio Antônio Guerra admitiu que a morte da estilista havia sido encomendada, uma vez que a sua voz ameaçava a continuidade da ditadura militar no país.
Com o trunfo de uma história verídica com forte apelo emocional e histórico, Sérgio Rezende levou às telas do cinema a história da mãe em busca do filho desaparecido durante os anos de ditadura. Zuzu (Patrícia Pillar) é uma mãe típica de classe média alta do Rio de Janeiro: quando vê que o filho Stuart Edgar (Daniel de Oliveira) se envolve com a resistência política que se formava no momento, pede para que tenha cuidado.
Porém, a vida de estilista, costurando vestidos para as esposas dos militares, consome boa parte do seu tempo, e os caminhos da mãe e do filho se separam. É durante o auge da sua carreira profissional que ocorre o desaparecimento do filho e de sua noiva, a também militante Sônia (Ângela Leal).
O filme é repleto de flashbacks de Zuzu, desde momentos da infância do filho, que era discriminado no período escolar por ter uma mãe solteira, e, por conseguinte, ser considerado um “desajustado”, até os momentos quando o filho já adulto alertava à mãe dos perigos da vida que levava e que culminou na sua prisão e posterior tortura.
‘Zuzu Angel’ é um drama biográfico indispensável para se refletir sobre a repressão militar no Brasil.
Com o fatídico sumiço do filho, a mãe começa a sair da inércia de sua bolha de classe média alta carioca, onde a ditadura militar ocorria às mil maravilhas, e passa a se dar conta do momento histórico e da repressão calada e sofrida. Sérgio trabalha bem essa ideia: uma mãe que perde seu próprio filho é capaz de fazer tudo para resgatá-lo — até mesmo resistir às forças política em dominância no momento. Nesse sentido, cenas comoventes, como a deplorável tortura do filho, são colocadas justapostas ao desespero de uma mãe em completa aflição.
A linha narrativa construída durante o longa-metragem abarca todo esse desespero de Zuzu. As incansáveis idas aos Estados Unidos para relatar a violência da ditadura militar no Brasil aos parlamentares e à embaixada, o momento em que, ao decolar de volta no Rio de Janeiro, interrompe a comissária de bordo para alertar os passageiros que a Cidade Maravilhosa era berço de assassinatos e desaparecimentos encomendados pela força militar e até mesmo jogando do alto do segundo andar cartas de denúncia às mulheres que passavam na calçada em frente à sua loja de grife.
Um dos momentos mais simbólicos do filme, por exemplo, é quando Zuzu promove um desfile de moda na Embaixada do Brasil em Nova York com roupas estampadas com símbolos da repressão militar no Brasil durante o período.
Todo o seu combate, no entanto, não a impediu que fosse também vítima do sistema contra o qual lutava. É importante lembrar que durante o período de repressão militar havia uma inércia contagiante da classe média brasileira em torno do que estava acontecendo politicamente no país e isso facilitava ainda mais a ação dos militares na sua desvairada batalha contra a ameaça do “comunismo” no país. À época, Chico Buarque de Holanda, que comoveu-se com a história da mãe em busca do filho, compôs uma música sobre a história dos dois, “Angélica”, juntamente com Miltinho, do MPB4.
Num país com uma tão escassa filmografia sobre o período da ditadura militar — se comparado, por exemplo, aos demais países da América Latina que sofreram repressão militar, como o Chile e a Argentina — Zuzu Angel é um drama biográfico indispensável para se refletir sobre um momento histórico tão singular da história do Brasil.
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