O fazendeiro norte-americano Ed Gein é um sujeito bastante conhecido entre pesquisadores e aficionados do horror. O assassino em série foi responsável por pelo menos duas mortes e diversas invasões de túmulos no cemitério de Plainfield, no Wisconsin. Em 1957, foi preso em casa, onde a polícia encontrou pedaços de corpos usados como parte do mobiliário decorativo espalhados pelos cômodos.
A fama com o público não vem só das atrocidades, que chocaram uma geração, mas também do impacto cultural dos crimes, que influenciaram ao menos três grandes clássicos do cinema de gênero.
Sem Gein, não teríamos Psicose (1960), O Massacre da Serra Elétrica (1974) e O Silêncio dos Inocentes (1991). O matador foi fonte criativa direta e assumida nos respectivos trabalhos de Robert Bloch, Tobe Hooper e Thomas Harris.“Quando criança, ouvia histórias sobre um sujeito que fazia abajures com peles de humanos e isso me acompanhou pela vida inteira. Era uma imagem que me assustava tanto que eu tinha que trabalhá-la de alguma forma”, disse Hooper em uma das entrevistas concedidas para a edição de 40 anos de O Massacre da Serra Elétrica.
Como o próprio Tobe Hooper diz ter feito com os relatos que ouvia sobre Ed Gein, os consumidores das narrativas de horror estão sempre se apropriando da realidade para dar sentido a esses enredos.
Pessoalmente, sou bastante convicto de que toda ficção, por mais fantástica que seja, nasce de uma relação que estabelecemos com o mundo que nos cerca. Nos filmes de horror, esse contato entre o real e o imaginado surge de um diálogo direto com nossos medos. Diante de uma notícia de um assassino que usa restos de suas vítimas para fazer ornamentos caseiros, cineastas e escritores materializam seus temores em narrativas de gênero, buscando sentido para aquela irracional realidade.
O caso de Gein está longe de ser o único exemplo adotado pelos contadores de histórias horríficas. O escritor britânico Bram Stoker baseou Drácula, seu personagem mais famoso, em Vlad, o Empalador, um violentíssimo líder romeno que viveu no século XV. Os relatos das experiências com bioeletricidade do médico italiano Luigi Galvani são tidos como fundamentais para que a inglesa Mary Shelley imaginasse a criatura de Frankenstein. Um recorte de uma notícia sobre pessoas que morriam por conta de seus pesadelos foi a fagulha que incendiou a imaginação do cineasta americano Wes Craven e o levou a conceber Freddy Krueger.
Ainda que essas adaptações e interpretações resultem em narrativas profundamente distintas dos acontecimentos originais, cada uma delas poderia ser acompanhada pelos letreiros que avisam o público de que se tratam de tramas baseadas em acontecimentos reais. E elas não estariam mentindo.
Como público, também processamos o que vemos nas telas ou lemos nos livros a partir de nossas próprias experiências e repertórios. Como o próprio Hooper diz ter feito com os relatos que ouvia sobre Ed Gein, os consumidores das narrativas de horror estão sempre se apropriando da realidade para dar sentido a esses enredos. Por vezes, o absurdo de uma cena nos faz rir, mas quando a trama é sombria e próxima daquilo que conhecemos, o resultado pode ser perturbador e traumático.