Dois dos maiores filmes de horror que estrearam neste 2020 nos cinemas tratavam de inimigos invisíveis. Em Ameaça Profunda (2020), o diretor William Eubank resgatou o subgênero de horror aquático para narrar a história de uma tripulação de uma estação de perfuração submarina que precisa escapar de um assombrosa criatura que os persegue debaixo da água (e praticamente não dá as caras na tela).
A reinterpretação do cineasta Leigh Whannell para a história de O Homem Invisível (2020), por sua vez, coloca a atriz Elizabeth Moss no papel de uma mulher paranoica com uma presença que não pode ser vista. Vítima de violência doméstica, a personagem vive a ponderar se seu algoz, um ex-marido considerado um gênio nas pesquisas de óptica, está ou não ao seu lado.
Por conta do coronavírus, os cinemas fecharam antes que outras estreias do gênero ofuscassem o destaque desses dois lançamentos. Desde então, as pessoas se refugiaram em suas casas e passaram a lidar com o receio de a doença estar bem perto, a uma aglomeração de pessoas de distância.
Essas obras são representantes de seu tempo. Um tempo no qual olhamos pela janela das nossas casas sem saber identificar se a ameaça que nos amedronta, uma doença como o coronavírus, está longe ou perto de nós.
Nesse medo, o público se refugiou em obras que retratassem outros cenários de epidemias em escalas globais, com um aumento no interesse por obras como Epidemia (1995), Contágio (2011) e A Gripe (2013). Há uma coincidência sombria, no entanto, na existência de duas produções de Hollywood retratando ameaças praticamente invisíveis estreando algumas semanas antes da explosão da doença no mundo.
O caso de Ameaça Profunda não é tão sintomático por se inserir num tipo de produção – aos moldes de Leviathan (1989) e Do Fundo do Mar (1999) – em que as regras narrativas são bem estabelecidas. Não seria, portanto, um filme que dialogaria tanto com um cenário de pandemia como o que vivemos. Ainda assim, é curioso observarmos como a trama foca na morte de pessoas ocasionada por um microcosmos em colapso pela falta de estrutura e vítimas de um mal que não sabem direito onde pode estar.
O filme de Whannell é bem mais premonitório do que viria a acontecer nas semanas seguintes no mundo real. Ali, temos medo do que não vemos. A protagonista evita contato com outras pessoas para que ninguém se machuque além do necessário. Sua fuga de uma vida de constantes ameaças é resolvida com um isolamento em uma casa, de onde não sai nem para buscar a correspondência.
Posso, como de costume, estar forçando uma interpretação aqui. Afinal, o horror sempre foi responsável por criar cenários apocalípticos e criar simulações de tragédias. Não mostrar uma ameaça pode ser apenas um recurso de storytelling, construído para gerar tensão. Certamente nenhum desses cineastas faz qualquer uma dessas associações que estou sugerindo aqui.
Isso tudo não exime essas obras de serem representantes de seu tempo. Um tempo no qual olhamos pela janela das nossas casas sem saber identificar se a ameaça que nos amedronta, uma doença como o coronavírus, está longe ou perto de nós.