No início da década de 1960, Willis O’Brien, o pioneiro no uso do stop motion no cinema, lutava para encontrar espaço em Hollywood. Depois de revolucionar o campo dos efeitos visuais em O Mundo Perdido (1925) e, especialmente, King Kong (1933), o animador só conseguia trabalhar em produções de médio porte, como O Monstro Submarino (1959).
Isso não o impedia de tentar tirar do papel projetos ambiciosos, como um filme de faroeste com cowboys e dinossauros que mais tarde viraria O Vale de Gwangi (1969) e uma nova aventura com o gorila gigante da Ilha da Caveira. King Kong vs. Frankenstein, aliás, era uma joia querida para O’Brien, que desenvolveu roteiro e artes conceituais para a empreitada. O elevado custo da produção, no entanto, afastou investidores dos Estados Unidos.
Quem ficou bem interessado na ideia foram os executivos da Toho. Colocar o macaco americano para enfrentar um monstro japonês era atraente demais para o estúdio, já famoso pelas fitas kaiju. A produção também vinha a calhar com o aniversário de 30 anos da empresa, que decidiu que, para a festa, Frankenstein seria substituído pelo seu personagem mais famoso. Assim nascia King Kong vs. Godzilla (1962).
Filme-fetiche pautado por imagens de confronto e sem qualquer ambição de realismo, King Kong vs. Godzilla é epítome do cinema tokusatsu.
O diretor Ishirô Honda foi convocado para comandar o épico longa-metragem. Godzilla, que aparece em cores pela primeira vez aqui, deixaria de lado a seriedade dos dois primeiros filmes e mergulharia com força no humor e nas cenas de luta-livre, imensamente populares no Japão no início dos anos sessenta.
Na trama, uma empresa farmacêutica, frustrada com os baixos índices de audiência do programa de TV que patrocina, decide bancar uma viagem a uma ilha em que habitam monstros gigantes. A expedição descobre que lá vive King Kong, um gorila gigante que é levado para o continente a fim de se tornar uma atração televisiva. Enquanto isso, um submarino bate em um iceberg em que hibernava Godzilla desde os acontecimentos de O Monstro do Fogo (1955).
As duas criaturas não demoram a entrar em confronto. Kong chega despreparado à batalha, mas ganha poderes quando é atingido por um raio, resquício de quando o roteiro ainda tinha Frankenstein como um dos oponentes.
Filme-fetiche pautado por imagens de confronto e sem qualquer ambição de realismo, King Kong vs. Godzilla é epítome do cinema tokusatsu. A destruição parece inofensiva e os monstros ocupam o lugar do drama na base da gritaria. O visual capenga, que era antiquado mesmo para a época, soa inocente e inventivo. Não por acaso, a fita se tornou uma das favoritas do público infantil.
É curioso como o conceito da obra adianta um grande épico. Tal grandiosidade é uma construção de sentido, muitas vezes feita pelo público, afeiçoado à linguagem do cinema kaiju japonês da década de 1960. Aos olhos contemporâneos e inexperientes, o confronto pode, inclusive parecer ridículo. Mal sabem eles que a Toho iria produzir longas-metragens muito mais duvidosos ao longo das décadas seguintes.
Quem não ficou nada feliz com o filme foi O’Brien, que perdeu a chance de criar outro clássico do cinema americano. O sucesso da produção incentivou os japoneses a continuarem investindo no gênero e, especialmente, transformou Godzilla em uma prioridade para o estúdio que o criou.