Em O Estranho Mundo de Jack (1993), Henry Sellick faz uma sessão de terapia com dois dos feriados mais importantes dos Estados Unidos. Ao colocar Jack Sellington, o relações públicas das festividades de Halloween, em uma crise de identidade após ter contato com os preparativos do Natal, o diretor parece interessado em valorizar e acentuar as diferenças entre as tradições. No meio do caminho, deixa bem claro que uma é muito mais voltada para o horror do que a outra.
Diante disso, chega a ser curioso que o gênero tenha produzido tão poucos títulos sobre o Halloween. Enquanto existem dezenas de obras sobre papais noéis monstros e assassinos, apenas um par de filmes apresenta o folclore do Dia das Bruxas. Os mais famosos talvez sejam os da cinessérie que leva o nome do feriado e que apenas ambienta as tramas na ocasião.
Dos títulos que discutem mais diretamente a mitologia sobrenatural do Halloween, a antologia Contos do Dia das Bruxas (Trick ‘r Treat, 2007) é provavelmente a mais interessante. Dividida em quatro histórias, a narrativa é uma grande homenagem às práticas dos norte-americanos de 31 de outubro, como os pedidos de doces ou travessuras, os sabás de feiticeiras, as lanternas de abóboras e o respeito às almas atormentadas.
Muitos filmes de horror sobre Halloween não discutem diretamente as tradições e a mitologia do feriado, pois o utilizam como um pano de fundo para outra história.
Estreia do roteiristas de Michael Dougherty na direção, a produção parece um Simplesmente Amor (2003) do mal. O enredo fragmentado tem vários pontos de conexões. O mais importante deles é o jovem Sam, uma criança-monstro que atua como um protetor das tradições do período. Vestindo pijamas laranjas e uma máscara de espantalho, ele está sempre perambulando pela tela como um espectador convidado.
O visual de Sam se apopria de ideias usadas em Jack Sellington, Pumpkinhead e o Cavaleiro Sem Cabeça. Ouso dizer que ele até poderia ser uma encarnação do Grande Abóbora, entidade de Halloween que nunca é mostrada nas tiras de Charlie Brown. O personagem é um legítimo esforço do diretor em mostrar que, como o coelho da páscoa e o papai noel, a ocasião também deve ter seu próprio mascote, que preserva o espírito do folclore norte-americano.
A concepção da trama fragmentada e do simpático monstro que acompanha o espectador nos outros segmentos da história parece emprestada da E.C. Comics, celebrada editora de horror da década de 1950, responsável por revistas como a Tales of the Crypt e The Vault of Horror. A história em quadrinhos nos créditos iniciais e finais da antologia, ao melhor estilo Creepshow: Show de Horrores (1982), reforça essa relação.
É uma pena que pouca gente tenha visto Contos do Dia das Bruxas, lançado direto para DVD nos Estados Unidos e no Brasil. Recentemente, Dougherty confirmou os planos para uma sequência, graças à base de fãs que elevaram o filme à categoria de cult. Sem ser muito hipster, acho que a produção tem muitas qualidades cinematográficas. Os cenários são incríveis, as atuações surtadas funcionam bem e os efeitos visuais práticos são bem convincentes. No campo da narrativa, há muitas mensagens escondidas sobre emancipação feminina, bullying e o verdadeiro espírito do Halloween.
Vi muita gente indicando filmes para a galera ver no sábado, mas ninguém falou desse pequeno clássico. Fica aí a minha dica para este Halloween.