Em Vampiros de Almas (1956), Don Siegel pode ter realizado uma das maiores metáforas da paranoia comunista do período macartista. Na trama, um médico (Kevin McCarthy) percebe que os vizinhos apresentam um comportamento estranho, como se fizessem parte de uma conspiração para dominar o mundo. “Tudo parece igual, mas algo ruim havia possuído nossa cidade”, avalia o personagem em um discurso semelhante ao do senador republicano Joseph McCarty.
A obra de Siegel é exemplo frequente sobre como o cinema de horror evidencia dilemas morais e políticos de um determinado período. Para alguns autores, como Nöel Carroll, o gênero narrativo possui uma capacidade natural de gerar críticas sociais por lidar com elementos subversivos, como a violência e a degradação de valores vigentes. Os exemplos são inúmeros.
As adaptações cinematográficas de Frankenstein ou o Moderno Prometeu (1818), clássico de Mary Shelley, parecem discutir os limites do uso da tecnologia pelo homem. A violenta e incompreendida criatura, que foge do controle de seu criador, interpretada pela luz do tempo, não deixa de parecer uma resposta ao avanço da industrialização e a crença de que o homem pode controlar a vida.
Do mesmo modo, a forma com que os vampiros se alimentam de suas vítimas são frutos de análises recorrentes sobre a sexualidade. O canino protuberante de Drácula, ao penetrar na pele de uma donzela britânica, pode ser visto como um ato condenável, como o próprio sexo (visto como tabu por inúmeros setores da sociedade contemporânea). Seria o caçador de vampiros uma espécie de pregador do moralismo e dos bons costumes?
Ao estabelecer um elemento específico como ameaça (leia mais aqui), os filmes de horror permitem que o público possa refletir sobre a própria realidade. Ninguém vai ao cinema ver A Hora do Pesadelo (1984), de Wes Craven, para discutir o esvaziamento dos sonhos adolescentes. Isso ocorre porque a produção dialoga com o contexto em que foi feito e com o próprio espaço de recepção. Para o teórico Jesús Martín-Barbero, essa distância percorrida entre o receptor e o produto cultural é o processo de mediação.
Seria o caçador de vampiros uma espécie de pregador do moralismo e dos bons costumes?
O horror lida com nosso medos, que mudam de tempos em tempos. Na década de 1950, havia uma profunda desconfiança com os efeitos colaterais da energia nuclear. Godzilla (1954), O Mundo em Perigo (1954) e O Monstro do Mar (1953) usam seres gigantes para representar o pânico ao imaginar um possível vazamento de radiação.
O ciclo recente de produções found footage costumeiramente apresenta uma realidade escondida da exposição pública. É o que ocorre com a expedição de O Caçador de Troll (2010), com o hotel de infectados de Rec (2007) e com a cidade que enfrenta um desastre ecológico em The Bay (2012). Ainda que indiretamente, esses filmes não afirmam que os governos mentem?
Sei que muitas dessas leituras são subjetivas e que a ficção não precisa ter laços com a realidade. Muitos diretores, inclusive, negam as críticas sociais de suas obras apontadas pelo público. De qualquer forma, a reflexão é sempre possível. Pessoalmente, defendo que a prática de enxergarmos além da tela é uma das maiores vantagens do horror, pois amplia minha relação com o filme e ainda rende um bom papo de boteco.