Em setembro de 2013, o escritor espanhol Juan José Plans deu uma entrevista a um blog de cinema fantástico em que desconversava sobre como o livro El Juego de Los Niños pode ter influenciado Stephen King no conto As Crianças do Milharal (leia o texto original aqui). Lançado em 1976, a obra acompanha um casal de turistas que visitava uma cidade que tinha sido dominada por crianças com comportamentos assassinos.
No mesmo ano em que o título chegava às livrarias europeias, o diretor uruguaio Narciso Ibáñez Serrador adaptava a trama para o cinema no perturbador ¿Quién puede matar a un niño? (Who Can Kill a Child?). Somente em 1977, King publicaria a história que daria origem, alguns anos mais tarde, ao filme Colheita Maldita (1984), comandado por Fritz Kiersch.
Na literatura, os dois argumentos são bem semelhantes. Há uma cidade abandonada, assassinatos com foice e perseguições por cenários labirínticos. Como antagonistas, as crianças agem sorrateiramente, abusando de suas representações inocentes. Em ambos os casos, parece haver um temor sobre uma possível revolta das novas gerações, mais ignorantes e cheias de poder diante da obsolescência natural dos homens. “São obras realmente muito parecidas”, admitiu Plans na tal entrevista, sem implicar qualquer acusação ao escritor norte-americano.
Enquanto ¿Quién puede matar a un niño? ainda hoje é um filme bastante perturbador, Colheita Maldita virou um pastiche, aproveitado como subproduto no mercado home vídeo.
Quem compara apenas os filmes acaba não ficando com essa impressão. Isso porque a conhecida película de Kiersch acabaria ficando diferente do conto original, que integra a coletânea Sombras da Noite (leia mais aqui). O roteiro de George Goldsmith retirou o final pessimista, as crianças traiçoeiras que acompanham o casal de protagonistas e o vislumbre da entidade que vive no milharal.
Com um clima bem diferente de ¿Quién puede matar a un niño?, Colheita Maldita desenvolve personagens que recebem pouco espaço no texto de King, como os vilões adolescentes Malachai (Courtney Gains) e Isaac (John Franklin). Essas escolhas da produção fizeram com que o autor rejeitasse a adaptação e seus realizadores. “É preciso ser muito bom para conseguir fazer uma porcaria como Colheita Maldita“, disse em uma palestra para universitários na década de 1980.
Para desgosto maior do mestre do horror moderno, o filme fez algum dinheiro e se tornou um rentável subproduto cinematográfico no mercado home vídeo, rendendo ao menos sete sequências e uma refilmagem para a televisão. Nenhum deles com capacidade de honrar o material original (na verdade, escrevo essa frase desonestamente, pois confesso que não fui além do quarto capítulo e isso foi lá nos anos 1990).
¿Quién puede matar a un niño?, ainda hoje, é capaz de incomodar o público. Sem as amarras vinculadas às produções de Hollywood, Ibáñez Serrador conseguiu filmar cenas cheias de energia, que encontram várias referências em Os Pássaros. Os atores mirins agem diante da câmera como crianças dissimuladas, sorrindo simpaticamente diante das brutalidades que cometem com os adultos. O momento em que um grupo delas brinca de piñata com uma foice em um corpo amarrado no alto do celeiro é de arrepiar.
De acordo com dados do IMDB, o filme foi lançado de forma discreta nos Estados Unidos somente em 1978. O que inviabilizaria uma possível influência na obra de Stephen King, que ainda poderia ter tido acesso ao livro. Plans morreu pouco depois de dar a declaração, em fevereiro de 2014, o que significa que os dois autores jamais poderão discorrer sobre as curiosas semelhanças entre as duas obras.