Embora tenha dirigido dramas e comédias de cotidiano, o nome de Ishirô Honda se tornou indissociável das narrativas de monstros gigantes ao longo da década de 1960. Ao ponto de ser estranha qualquer produção comandada pelo diretor que não tenha ao menos um kaiju, mesmo que isso nem sempre fosse bem justificado (leia mais).
Alguns filmes levavam isso ao limite, como é o caso de Dogora, o Invasor Espacial (1964). A obra é bem esquisita. Tem como foco uma dupla de detetives que precisa investigar uma gangue que rouba diamantes no Japão. Nada disso seria um problema se a trama não ocorresse durante o ataque de uma água-viva alienígena abissal no país.
As duas histórias apenas indiretamente se conectam, o que deixa o enredo muito mais com cara de fita policial do que de narrativa kaiju. Enquanto o monstro toca o horror nos cenários em miniatura criados pela equipe de Eiji Tsuburaya, os investigadores buscam pistas dos ladrões e se confundem com falsificações de pedras preciosas.
O monstro gigante, aqui, é ambientação. Lançado ainda na primeira metade daquela década, Dogora, o Invasor Espacial já apresentava indícios de que o cineasta tentava brincar com os limites do gênero que havia ajudado a criar dez anos antes, em Godzilla (1954).
Lançado ainda na primeira metade daquela década, ‘Dogora, o Invasor Espacial’ já apresentava indícios de que o cineasta tentava brincar com os limites do gênero que havia ajudado a criar.
Diferentemente de outros títulos do tipo que usavam fantasias de monstro, Dogora, a criatura, surge na tela a partir de uma mistura de técnicas de efeitos visuais. Há animação com modelo tridimensional, marionetes e até desenhos para dar vida ao monstro.
Os diferentes recursos adotados por Tsuburaya deixam o movimento do animal mais fluido e, consequentemente, mais resistente ao tempo. Muita coisa ali engana até hoje. O filme foi exibido nos cinemas brasileiros em 1966.
No fim daquela década, Honda faria outra produção que discutiria as fronteiras do uso de monstros gigantes no cinema. Em Latitude Zero (1969), o cineasta tirou do papel um de seus projetos mais ambiciosos.
Primeiro longa-metragem japonês inteiramente falado em inglês, a obra teve como protagonistas atores como Joseph Cotten, de Cidadão Kane (1941), e Cesar Romero, o Coringa da série do Batman dos anos 1960.
O enredo era baseado em uma história de um seriado de rádio, escrito por Ted Sherdeman. A estrutura lembrava um pouco a das séries cinematográficas do início do cinema americano falado, muito conceituais e baratas nas atuações, cenários e fantasias.
Shinichi Sekizawa assinou o roteiro para as telonas, numa produção realizada em uma parceria com a Toho e Ambassador Productions. Os americanos abandonaram o projeto no meio das filmagens por falta de recursos. O principal produtor, Don Sharp, faliu durante o processo e os japoneses resolveram tocar o barco sozinhos.
O monstro gigante aqui é um grifo, um leão com asas de águia (que também recebeu como transplante o cérebro de uma mulher má, mas isso não importa). O bicho é o guardião do covil do personagem de Romero, um ambicioso cientista de mais de 200 anos que vive num mundo subterrâneo.
O vilão humano quer a fórmula criada por um geneticista da superfície que é capaz de imunizar o mundo inteiro da radiação nuclear. Embora esteja ali para caracterizar o longa-metragem como cinema kaiju, o monstro tem pouco a fazer a não ser gritar e fazer ataques pontuais contra os humanos que tentam derrotar o vilão.
Na biografia de Honda, os pesquisadores Steve Ryfle e Ed Godziszewski afirmam que o próprio diretor não era lá muito fã de Latitude Zero. O aspecto precário, que o irritava nos títulos da Toho e aqui era ainda mais evidente, o lembravam das ideias que não tinha executado por falta de recursos. Curiosamente, quando foi exibido no Brasil, em 1974, as poucas notas divulgadas na imprensa destacavam as trucagens e os efeitos visuais.
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