Quando a Toho lançou Godzilla: Final Wars, em 2004, havia uma promessa de que o aniversário de meio século do monstro deveria marcar o fim de um tipo específico de narrativa para o personagem. No filme de Ryuhei Kitamura, o kaiju passa duas horas enfrentando uma dezena de rivais, com diversas participações especiais e referências ao legado da franquia, iniciada em 1954. Era uma despedida, que encerrava um longo carnaval de luta-livre que marcou a carreira do gigante lagarto.
Desde então, Godzilla se tornou protagonista de uma ambiciosa franquia-pipoca nos Estados Unidos pelas mãos da Legendary Pictures, mas só deu as caras duas vezes no cinema japonês. A primeira em 2016, em Shin Godzilla, ao se reconectar com suas raízes alegóricas em uma trama repleta de ironias políticas e imagens que ecoavam a tragédia de Fukushima, em 2011 – quando um terremoto, seguido por um tsunami, provocou um desastre nuclear.
A segunda no fim do ano passado, em Godzilla Minus One, dirigido por Takashi Yamazaki. A obra, que marca o aniversário de 70 anos do clássico de Ishirô Honda, também usa da metáfora para discutir o papel da Segunda Guerra Mundial na história do Japão.
O filme começa quando o piloto kamikase Koichi Shikishima, vivido por Ryunosuke Kamiki, finge que o próprio avião está com defeito para fugir da função militar [suicida]. Ele faz uma parada em uma ilha, para reparos, e o local é atacado por Godzilla. Quando cobrado para que atire contra o monstro, o sujeito entra em pânico e ele se torna um dos únicos sobreviventes.
“É nessa jornada de conexão do personagem, com o mundo e com sua nova família, que reside grande parte da força emocional do filme.“
De volta a Tóquio, Shikishima precisa lidar com a destruição da cidade, a morte dos pais e a dupla vergonha por abandonar a guerra e assistir à morte dos trabalhadores da ilha. Na cidade, encontra uma mulher e uma criança, que acolhe em sua casa enquanto tenta viver nessa nova realidade.
É nessa jornada de conexão do personagem, com o mundo e com sua nova família, que reside grande parte da força emocional do filme. Yamazaki, que também assina o roteiro, retorna ao coração do cinema kaiju e faz um filme sobre sobrevivência do próprio pós-guerra.
Na cena em que Tóquio é dizimada por Godzilla no original de 1954 há um corte para uma criança, que chora sozinha durante o ataque. Em vários sentidos, Minus One é uma extensão desse momento. É uma narrativa que se importa com os laços que o espectador cria com os personagens humanos e está interessado na gravidade do gênero.
É um raro blockbuster catástrofe, que entrega mais emoção com a vida do que com a destruição. E olha que aqui estão algumas das melhores cenas de ataque kaiju já criadas pelo cinema – não por acaso, fez história ao ser indicado ao Oscar de Melhores Efeitos Visuais neste ano.
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