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‘Shin Godzilla’: a digestão de um trauma nacional

porRodolfo Stancki
7 de dezembro de 2016
em Espanto
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Shin Godzilla

Cena de 'Shin Godzilla'. Foto: Reprodução.

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A Guernica, uma das mais célebres criações de Pablo Picasso, foi concebida como uma maneira de refletir sobre um bombardeio durante a Guerra Civil Espanhola. Após ler sobre a tragédia em um recorte de jornal, o pintor cubista concebeu a tela como uma maneira de digerir o fato. Ao chão, um homem grita de dor em agonia. Cabeças deformadas de animais dividem espaço com uma mãe que chora sobre o corpo do filho morto. Talvez os traços do cubismo nunca tenham feito tanto sentido quanto nesse quadro de 1937. Afinal, a guerra só pode ser fruto de um universo absurdo e irracional.

Como um tipo de arte, o cinema também tem potencial de expressar o pesar de uma desgraça. Às vezes, essa terapia pode ser bem pessoal. A sangrenta adaptação de Macbeth (1971) de Roman Polanski parece interessada em representar a violenta morte de sua mulher, Sharon Tate, assassinada em 1969 por membros da Família Manson. O próprio diretor chegou a afirmar isso para o elenco e os colegas de produção na época das filmagens.

O painel Guernica reflete os horrores da guerra. Imagem: Reprodução.
O painel Guernica reflete os horrores da guerra. Foto: Reprodução.

Poucos filmes conseguem captar tão bem a essência de uma calamidade coletiva quanto o primeiro Godzilla (1954), de Ishirô Honda. A obra foi elaborada para provocar uma reflexão sobre os efeitos das bombas nucleares que atingiram Hiroshima e Nagasaki, em 1945. A saída para não retratar diretamente a tragédia foi transformá-la em uma alegoria gigante, que imediatamente se tornou um sucesso.

Quem nunca assistiu à primeira incursão do lagarto japonês nos cinemas pode ficar impressionado com a seriedade com que tudo é filmado. Não há humor, nem excessos. Uma cena, particularmente, incomoda-me bastante: um grupo de centenas de crianças canta para as vítimas de forma lúgubre. O momento é melancólico e dramático – bem distante do falsete tokusatsu que se tornaria marca indissociável do personagem nas décadas seguintes.

Desde então, a criação de Honda praticamente deixou de servir como uma expiação de traumas japoneses. Em muitas sequências adotou o humor escrachado e virou um sinônimo de ridículo. O mais perto que chegou de se tornar reflexivo para alguma causa foi no irregular Godzilla vs. Hedorah (1971), produção que abraçou o ambientalismo como bandeira. Na narrativa, o personagem de borracha enfrenta um gigantesco ser que nasce do excesso de lixo produzido pelo mundo.

Uma grande tragédia, para quem a acompanha de perto, faz tanto sentido quanto um lagarto gigante que vomita radiação. Ver isso na tela nos ajuda entender melhor nossas angústias.

É revigorante, portanto, perceber que Shin Godzilla (2016), da dupla Hideaki Anno e Shinji Higuchi, volta a servir como um exercício terapêutico de uma tragédia. Tenso e quase sem humor, como no original, a produção reinventa a aparição do monstro sexagenário e o usa como alegoria para o terremoto seguido de tsunami que atingiu o Japão em 2011.

Na ocasião, o país oriental enfrentou uma das maiores calamidades públicas desde o ataque nuclear dos Estados Unidos no fim da Segunda Guerra Mundial. Centenas de casa e construções foram destruídas, milhares de pessoas morreram e um abalo sísmico provocou um vazamento nuclear em Fukushima. Imagens de ondas devastadoras levando carros como se fossem de isopor dominou os noticiários do mundo todo.

Cena de Godzilla vs. Hedorah. Imagem: Reprodução.
Cena de Godzilla vs. Hedorah. Foto: Reprodução.

É justamente sobre essas cenas de tsunami japonês que podemos perceber a intenção do novo Godzilla. A criatura, que aparece de diversos tamanhos e formatos antes de evoluir para o visual que o conhecemos, deixa o mar e invade as ruas como uma força incontrolável da natureza. Por onde passa, empurra carros e destrói edifícios. Um grupo de cientistas percebe que ele deixa um rastro de radiação, que pode atingir a população.

A versão americana de 2014 usa um conceito semelhante para retratar Godzilla. O filme de Gareth Edwards, no entanto, falha em entender o que representa a ideia do monstrengo no Japão. Não por acaso, a produção tem um ritmo automático, quase sem coração.

Shin Godzilla, por outro lado, tem um claro interesse em refletir a realidade. Uma grande parte da trama se passa nos corredores e escritórios do governo japonês. A edição, em muitos momentos, lembra a de Voo United 93 (2006), de Paul Grengrass. O excesso de cortes secos e diálogos rápidos mostram o trabalho de burocratas lidando com a tragédia.

Em uma entrevista, os diretores Anno e Higuchi afirmaram que se inspiraram em A Rede Social (2010), de David Fincher, para construir a relação entre os personagens e o senso de urgência da trama. É um olhar realista sobre um evento absurdamente fantástico. O contraste ainda inclui discursos significativos sobre a utilidade da ONU, a interferência dos Estados Unidos no Japão e a existência de bombas nucleares no país. O resultado é bem diferente do carnavalesco Godzilla Final Wars (2004), última aparição nipônica do monstro nas telonas.

Como a Guernica de Picasso, penso que Shin Godzilla é uma reflexão sobre fatos que são difíceis de digerir. Uma grande tragédia, para quem a acompanha de perto, faz tanto sentido quanto um lagarto gigante que vomita radiação. Ver isso na tela nos ajuda entender melhor nossas angústias.

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Tags: A Rede SocialCrítica SocialDavid FincherGareth EdwardsGodzillaGodzilla vs. HedorahGodzilla: Final WarsGuernicaGuerra Civil EspanholaHideaki AnnoHorrorIshirô HondaJapãoMacbethPablo PicassoRoman PolanskiShin GodzillaShinji Higuchi

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