No filme Os Estranhos (2008), de Bryan Bertino, um casal é atacado dentro de sua própria casa por um grupo de pessoas mascaradas sem qualquer razão aparente para as agressões. “Vocês estavam em casa”, justifica uma das assassinas à protagonista, interpretada por Liv Tyler. O mesmo tema aparece em produções como Hush: A Morte Ouve (2013), Uma Noite de Crime (2013) e Violência Gratuita (1997).
A recorrente ideia de que podemos ser atacados por um completo desconhecido dentro de um espaço de conforto retratada nos filmes de horror parece indicar um forte medo da sociedade contemporânea. Na semana passada, essa paranoia, de que o estranho pode ser um agressor em potencial, ganhou contornos mais sérios no Brasil com a facada televisionada ao candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (leia mais).
O medo nos filmes parece acessar um instinto de sobrevivência ancestral, de quando éramos atacados por qualquer um que não fizesse parte do nosso convívio social.
Sem entrar nos méritos eleitorais que cercam o crime, podemos afirmar que a cena – registrada por câmeras amadoras de diferentes ângulos – dialoga diretamente com uma iconografia de assassinatos criada pelo cinema. Muitas dessas imagens feitas pelas lentes de cineastas que trabalham com o horror. Talvez por isso muita gente tenha se preocupado tanto com o fato de haver sangue ou não na arma, quando naturalmente a estética de ataques do tipo são bem sangrentas em títulos como Pânico (1996), Brinquedo Assassino (1988) e Sexta-Feira 13 (1980). Nosso imaginário da ficção age em nossas percepções do real a ponto de eventos que ocorrem diante de dezenas de câmeras parecerem falsos aos nossos olhos.
Do ponto de vista narrativo, a facada evoca a ideia de que não estamos seguros em lugares públicos ao lado de centenas de aliados e protegidos por policiais. Se nem nessas condições podemos nos proteger, como podemos garantir que em nossa própria casa será diferente? Em Halloween (1978), John Carpenter criou o enredo definitivo sobre o invasor que mata sem propósito com a história de Michael Myers. Representando um perseguidor implacável, o pioneiro slasher desconstrói a ideia de conforto, colocando todos à deriva de um potencial ataque.
Essa quebra do pacto da segurança do lar é parte fundamental da estratégia que provoca o choque e estimula a reação física do medo no público. O sentimento parece acessar um instinto de sobrevivência ancestral, de quando éramos atacados por qualquer um que não fizesse parte do nosso convívio social. Por isso, faz sentido a afirmação de que estamos regredindo enquanto seres humanos quando vemos um ataque como o da semana passada. Não estamos mais lidando com a ficção.