O diretor José Mojica Marins, maior nome do cinema de horror nacional, é um artista bem versátil. Além de filmar dramas familiares no começo da carreira, ele também trabalhou com pornochanchadas e fitas de bangue-bangue. Em duas delas, aliás, o Paraná serviu de cenário.
Nunca lançados em VHS ou DVD, os filmes O Diabo de Vila Velha (1965) e D’Gajão Mata para Vingar (1972) tiveram cenas rodadas no Parque Estadual de Vila Velha, em Ponta Grossa. As duas produções faziam parte do ciclo de westerns feijoada que pipocaram pelo Brasil entre as décadas de 1960 e 1980.
Praticamente esquecidos pelo público local, esses títulos mostram o potencial da atração turística dos Campos Gerais como cenário de velho oeste. “As estruturas rochosas de Vila Velha são visualmente parecidas com as de Monument Valley, dos longas-metragens de John Ford”, avalia o jornalista paulista Rodrigo Pereira, que pesquisou o gênero no cinema nacional em seu doutorado.
Produção
Quando veio ao estado pela primeira vez em 1964, relatam os biógrafos André Barcinski e Ivan Finotti, Mojica tinha acabado de concluir seu primeiro filme como Zé do Caixão, À Meia-Noite Levarei Sua Alma. Como a obra não havia sido lançada, o diretor não era conhecido pelo grande público, ainda que tivesse comandado longas-metragens como o também western paulista A Sina de um Aventureiro (1958).
Foi nesse contexto que o artista foi contratado pelo produtor Nelson Teixeira Mendes em O Diabo de Vila Velha para trabalhar como ator. Originalmente, o diretor era Ody Fraga, que “parecia meio confuso e desconhecedor da técnica cinematográfica”, descreve Mojica em uma entrevista de 2007.
Desentendimentos entre Mendes e Fraga teriam levado Mojica à cadeira de diretor. Nos créditos iniciais do filme, ele surge como responsável pelas cenas externas, possivelmente porque alguns trechos da obra já teriam sido rodados, como o que tem um Teatro Guaíra ainda em construção como cenário. O português Armando Miranda também aparece como diretor, ainda que seu papel não fique claro nos registros encontrados em jornais da época.
A história de O Diabo de Vila Velha acompanha o coronel Amaro, vivido por Roque Rodrigues, que controla políticos e policiais da região. Mojica interpreta o prefeito corrupto da cidade, cujo cargo está ameaçado pela articulação de um padre que promove seu concorrente. Para não perder a eleição, o grupo comete assassinatos pela cidade.
Depois da produção conturbada, o western foi lançado em outubro de 1965 em Curitiba. A sessão de estreia, no Cine Plaza, promovia a obra como o primeiro longa-metragem paranaense colorido e teve a presença do então governador Ney Braga (1917-2000) e de membros do elenco.
Django
Mojica voltou ao Paraná em 1971, a pedido dos produtores Augusto de Cervantes e Nilza de Lima para rodar D’Gajão Mata para Vingar, título que obviamente se aproveitava do sucesso dos bangue-bangues italianos com o personagem Django. A trama mostrava um cigano em busca de vingança depois que sua comunidade foi assassinada por pistoleiros. Mais uma vez, Vila Velha é cenário do desfecho, que ganha até uma imagem ao pôr do sol antes dos créditos.
Depois da produção conturbada, o western foi lançado em outubro de 1965 em Curitiba. A sessão de estreia, no Cine Plaza, promovia a obra como o primeiro longa-metragem paranaense colorido.
Filmes estiveram praticamente perdidos
De acordo com uma coluna do jornalista paranaense Aramis Millarch (1943-1992) de 1988, o cineasta Valêncio Xavier (1933-2008) procurou por anos uma cópia de O Diabo de Vila Velha (1965) para a Cinemateca de Curitiba. Hoje, o espaço possui o filme em preto e branco, assim como a Cinemateca Brasileira. Originalmente, a produção havia sido colorida na pós-produção para ser exibida comercialmente.
Assim como o western da década de 1960, D’Gajão Mata para Vingar (1971) também esteve praticamente perdido durante um período. O jornalista Carlos Primati, pesquisador da obra do cineasta José Mojica Marins, revela que a última cópia do bangue-bangue foi salva graças a uma atriz, que preservou a própria memória.
Legado
Os dois filmes são importantes para a memória paranaense na medida em que foram feitos com o apoio do estado. Além de contar com a ajuda da Polícia Militar, agradecida nos créditos iniciais, essas produções também tiveram investimento local e poderiam ser úteis para atrair turistas, caso não tivessem sido fracassos de bilheteria.