A produtora cultural Mavi Simão tinha cerca duas décadas de carreira no cinema quando decidiu que deveria estrear como diretora. O resultado é o longa-metragem maranhense Terminal Praia Grande, que está em exibição em uma das mostras competitivas da 10ª edição do Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico, que ocorre até o dia 20 de setembro na plataforma Belas Artes à La Carte.
A narrativa mescla drama, horror e surrealismo para contar a história de uma mulher que reencontra um ex-namorado, que desapareceu tempos atrás. Bancado por meio de um edital de fomento local, a produção estreou formalmente na mostra Novos Rumos, do Festival do Rio, em dezembro do ano passado.
Mavi, que desde 2007 comanda um festival chamado Maranhão na Tela, conversou com a Escotilha sobre sua primeira investida na direção. No papo, que você pode conferir abaixo, ela comenta os bastidores de Terminal Praia Grande e ainda conta um pouco sobre seus próximos projetos no cinema.
Escotilha » O que você queria discutir em Terminal Praia Grande?
Mavi Simão » Eu sou espírita e meu tema é a morte. Não percebi isso durante a produção, mas refleti bastante e vi que, ao mesmo tempo que acredito em espíritos eternos, sou muito materialista. Tenho medo de morrer e envelhecer. Escrevo a partir do fato do que eu acredito. Quero brincar com isso, porque [o filme] é uma brincadeira, e preciso falar disso.
A narrativa do filme é bem aberta a outras interpretações…
Isso é interessante. Cada pessoa traz uma percepção da história que é diferente da do outro. Eu tenho a minha percepção que não é clara ali no filme. Sempre quis para o filme o surrealismo. Brincar com o sonho e com a ideia de que não sabemos se a protagonista está sonhando ou está morta.
A trama é inspirada por alguma outra obra específica?
Você acredita que não? O filme veio muito em imagens para mim. Sei que a estética se sobrepõe à narrativa. É uma proposta. Contei a história com imagem. Estava mais preocupada com o clima.
A estrutura desconexa e a linguagem estavam mais claras desde o começo. O clima de terror e atmosfera veio muito nas filmagens, na montagem e no som. Não era um caminho planejado.
Como se deu a mudança na sua carreira de produtora para cineasta?
Além do [festival de cinema] Maranhão na Tela, fiz vários projetos de fomento à produção daqui. Tenho um desejo muito grande que o cinema daqui [do Maranhão] bombe. Encaro isso como uma missão. Sempre gostei muito de fomentar e produzir. Abri chamadas públicas para curtas-metragens locais e fiz vários deles dentro do festival, mas nunca tive vontade de dirigir.
E o que mudou?
Um dos projetos de curtas-metragens que eu fiz, chamado Cinerama, tinha uma proposta de criar uma história com três personagens dentro de um ônibus em movimento. Um deles ia ser meu primeiro filme. Só que era uma época em que os ônibus estavam sendo muito assaltados no Maranhão e não conseguimos filmar. A polícia entrou sete vezes dentro do ônibus achando que era um assalto. Fiquei arrasada, mas depois de uns seis meses abriu o primeiro edital do Maranhão de investimento regional.
O projeto do Terminal Praia Grande estava pronto?
Eu tinha o roteiro de três curtas que, de certa forma, discutiam a morte. Criei uma história que juntava essas três histórias e entrei no edital. Achei que não ia ganhar, mas ganhei.
Como foi a produção?
Não sabia se iria dirigir, mas o filme foi vindo [à minha cabeça]. Salvei uma playlist com a música da cena da dança e ouvi por dias. O filme vinha muito mais em imagens do que em histórias. Talvez por ter sido desmembrado de curtas. O roteiro tinha só 16 páginas. Eu sabia que queria takes longos e poucas falas. Foi no set que percebi que queria pesar a mão no horror. O Lucas Sá, meu montador, dizia que meu filme era de terror, mas eu respondia que era um filme de amor [risos]. Até hoje não estou tão convencida de que é um filme de terror.

Então o diálogo com o horror não foi intencional?
No set é que eu vi que gostava daquilo, quando insistia em planos mais estranhos. A estrutura desconexa e a linguagem estavam mais claras desde o começo. O clima de terror e atmosfera veio muito nas filmagens, na montagem e no som. Não era um caminho planejado. Eu nasci diretora ali. Fui vendo que gostava daquilo e aquela era minha voz. Tanto que meu documentário tem elementos assim.
Qual documentário?
Chama-se A Ilha de Todos os Mestres. É um documentário híbrido, que nasceu em um dos meus projetos de fomentar e capacitar, chamado “Essa é minha cultura”. É sobre os mestres da cultura maranhense. Meu filme mistura três camadas: o making of dessas oficinas; o depoimento desses personagens; e uma ficção que que é meio uma fantasmagoria.
E você está desenvolvendo mais uma ficção, bem mais voltada ao gênero agora…
Chama-se A Noiva do Diabo. Estou pesando bem a mão [no horror]. Trabalho nela desde antes de Terminal Praia Grande. A trama é uma história de amor de Jonas e Catarina. Começa 300 anos antes. Ele era filho de uma família abastada do Maranhão e ela uma mulher comum, mas numa época de casamentos arranjados. Eles decidem fugir, mas a mãe dele faz um pacto com o diabo para destruir o plano deles, mas o diabo tem um plano com o conde Drácula…
Parece bem divertido.
Vou te mandar a sinopse depois [risos].
E quais são os planos para Terminal Praia Grande?
Agora estamos inscrevendo em festivais porque queremos que o filme seja visto. Tivemos somente duas exibições em cinema. A pandemia nos atrapalhou bastante. No nicho de gênero, acho que vai bem. Estreou internacionalmente no Macabro [Film Festival]. Acho que vai bem até porque vai pouca mulher que trabalha na área. Meu sonho é ser como a cineasta Gabriela Amaral Almeida ou a Juliana Rojas [risos]. Quem sabe com a A Noiva do Diabo [risos].