No primeiro capítulo do influente O Grande Massacre dos Gatos, o historiador Robert Darnton analisa como os contos de fada revelam como viviam e pensavam os europeus no fim da Idade Média e início da Modernidade. Por meio de narrativas como a de Chapeuzinho Vermelho, de Barba Azul e do Gato de Botas, um pesquisador atento pode observar o retrato de uma população pobre, esfomeada e constantemente amedrontada pelas ameaças que viviam pelas estradas.
Na tese de Darnton, as histórias que circulam na nossa sociedade podem ser bons registros sobre como pensamos nossa própria realidade. Com a interpretação certa, uma fábula pode virar um documento histórico fundamental para descobrir a mentalidade de um povo. Se vale para os livros, vale para os filmes. Pela lógica, poderíamos afirmar que o cinema de horror é um mapeamento dos nossos medos.
Uma produção como Uma Noite de Crime, bem-sucedida franquia da Blumhouse, apresenta contornos de uma sociedade totalitária. O governo vende um benevolente discurso inclusivo e de pacificação sobre como o projeto de liberar a população de punição para qualquer crime por 12 horas pode, na verdade, promover a paz. Na prática, a proposta pune e tortura as populações mais pobres e as minorias.
O cinema de horror tem produções que são frutos do seu tempo e sempre dialogam com o contexto em que foram realizadas.
Por trás da narrativa de sobrevivência, a série de filmes discute a escalada da violência nos últimos anos. Fala sobre nossa desconfiança com o poder público e a mídia. Revela nosso medo de viver em uma sociedade individualizada, que pouco valoriza o espírito de comunidade. O tema também aparece em títulos como Ao Cair da Noite (2018), de Trey Edward Shults; Você é o Próximo (2011), de Adam Wingard; e Os Estranhos (2008), de Bryan Bertino.
Pedido de Amizade (2016), Amizade Desfeita (2015) e A Face da Morte (2012) são histórias que lidam com um medo mais recente, o de encontrar o mal na internet. Abrir uma aba estranha no computador, aceitar um desconhecido como amigo no Facebook ou simplesmente conversar com um estranho pode te levar a morte. O exagero da ficção amplia o receio que temos – ou deveríamos ter – quando navegamos inocentemente pela rede.
O cinema de horror mostra como os objetos do nosso cotidiano também podem nos matar. No primeiro Premonição (2000), de James Wong, a morte extermina personagens com fios da cortina do banheiro, com o jogo de facas da cozinha e com o letreiro de um restaurante. Todos acidentes banais de uma sociedade que, supostamente, vive em segurança.
O Exorcista (1973), O Exorcismo de Emily Rose (2005) e os filmes do universo de Invocação do Mal são narrativas que revelam que ainda tememos o demônio. Embora sejam interessantes do ponto de vista do gênero cinematográfico, essas produções não negam sua essência cristã ao colocar o estranho e o profano como alvo de nossos medos mais profundos.
O cinema de horror tem produções que são frutos do seu tempo e sempre dialogam com o contexto em que foram realizadas (leia mais). Como nos contos de fadas investigados por Darnton, os filmes do gênero podem ser registros históricos de como pensamos o mundo e de como temos medo dele.