Em 1999, o cineasta espanhol Nacho Vigalondo fez um curta experimental chamado Una lección de cine (1999), em que mostra um dispositivo, chamado de batbola, e diz que o usará para acertar uma vaca. Ele recua do ato, no entanto, para comentar que a tensão criada em torno de um acontecimento é mais importante do que acontecimento em si. A gravação do início da carreira do diretor, disponível no YouTube, antecipa uma das principais características de sua obra: a subversão das expectativas do público.
Vigalondo começou a chamar a atenção em 2004, quando foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem por 7:35 de la mañana (2003). A produção acompanha uma mulher que entra em um café em que clientes e funcionários estão imóveis e em silêncio. Sem entender, ela senta em uma das mesas. Repentinamente, um homem (o próprio diretor) passa a cantar com a ajuda, não muito animada, dos demais presentes.
O estranhamento da personagem encontra ressonância no espectador, que não sabe direito o que está vendo na tela. O cineasta também não se preocupa em dar muitas respostas. A ideia é mostrar uma cena de um cotidiano fantástico.
Em seu primeiro longa-metragem, esses conceitos são transpostos para uma história de horror de viagem no tempo. Crimes Temporais (2007) conta a história de um sujeito que observa uma mulher se despindo do quintal de sua casa. Ao se aproximar da moça, é atacado por alguém que usa bandagens ensanguentadas no rosto. Quando foge, acaba entrando em uma máquina do tempo e descobre que o agressor era ele mesmo, tentando sobreviver à sucessão de acontecimentos provocados pelo deslocamento ao passado.
Novamente, o público não tem ideia de qual será o desfecho dos personagens. Também não há qualquer explicação sobre as viagens ao passado. Nem nos importamos muito com isso, pois a direção de Vigalondo é acelerada o suficiente para prender a atenção nos acontecimentos, que são construídos como um quebra-cabeça.
Embora esteja meio restrito ao circuito independente, Colossal tem recebido bastante atenção da crítica, especialmente por lidar de maneira contida com os elementos fantásticos, se debruçar sobre os personagens e não oferecer muitas respostas ao público.
O diretor faz milagre com os parcos recursos que teve para criar Crimes Temporais. Não há computação gráfica e o elenco tem apenas quatro atores. Anos depois, a comédia romântica Extraterrestre (2011) seguiria a mesma fórmula. A narrativa gira em torno de um jovem que, após uma noitada de bebedeira, acorda de ressaca na casa de uma bela mulher. Quando estava para ir embora depois de trocas de diálogos constrangedora, ele percebe que a cidade foi evacuada por causa da chegada de uma nave alienígena. Decide ficar por ali mesmo, mas descobre que a moça não é solteira.
Em entrevistas, o cineasta diz que pensou em contar a história do ponto de vista das pessoas comuns, que continuariam com os mesmos problemas de sempre caso um evento fantástico como esse ocorresse. A produção praticamente ignora o óvni nos céus da Espanha para se focar no relacionamento do casal protagonista, no namorado ciumento dela e num vizinho enxerido. Vigalondo desconstrói convenções de gêneros narrativos e nega o heroísmo típico de histórias de ficção científica.
Seu primeiro filme em língua inglesa, Perseguição Virtual (2014), é um thriller de ação sobre obsessão com celebridades. Elijah Wood vive o dono de um website especializado em imagens e fofocas da personagem de Sasha Grey, uma atriz que está cansada de ser exposta na mídia. Um hacker o manipula para que espione a intimidade dela e a coloque em perigo.
A produção adota um recurso que seria apropriado novamente em Amizade Desfeita (2015), o da narrativa que se passa em um desktop em tempo real. A trama, no entanto, é um pouco mais acelerada e cheia de reviravoltas, que tornam impossível prever os intrincados planos do personagem que manipula o casal protagonista.
Seu título de maior orçamento até aqui é Colossal (2016), que estreia no Brasil em junho. A obra tem Anne Hathaway como uma alcoólatra que é despejada do apartamento pelo namorado e precisa voltar para a casa abandonada dos pais, na cidade em que cresceu. Lá reencontra um amigo de infância (Jason Sudeikis), para quem vai trabalhar como garçonete. Ao mesmo tempo, um monstro gigante começa a destruir Seoul, na Coreia do Norte.
Comédia romântica, drama e horror se misturam. O resultado parece bastante original, como o restante das obras de Vigalondo. Embora esteja meio restrito ao circuito independente, Colossal tem recebido bastante atenção da crítica, especialmente por lidar de maneira contida com os elementos fantásticos, se debruçar sobre os personagens e não oferecer muitas respostas ao público. É um filme bem original e que subverte muito do que esperamos da trama.