Minha cunhada de nove anos saiu bastante assustada de uma sessão de Caça-Fantasmas (2016). Ela diz que, apesar de ter adorado a refilmagem, sentiu medo em vários momentos. Em uma entrevista sobre as influências de Vingadores – A Era de Ultron (2015), o diretor Joss Whedon citou os filmes de horror que via quando criança. Quem assiste à atuação de J. K. Simmons em Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) dificilmente não o vê como uma criatura horripilante.
O horror se inscreve com facilidade em obras de outros gêneros. A característica não é lá muito comum se pensarmos no western, na ficção científica ou nos filmes noir, mas serve bem para o drama, a comédia e o suspense.
Certos produtos culturais são construídos a partir de outros, que se mesclam e criam algo novo. Se levarmos o debate ao cinema, percebemos que muitas obras são híbridas.
Por se tratar também de um sentimento e, ao mesmo tempo, ser caracterizado por um hall amplo de elementos estéticos, o horror parece ter algumas vantagens quando invade tramas de produções que nada teriam de monstruosas. É possível que, dentro de outros gêneros, atue como o humor. Pensem como certos títulos apresentam piadas fora de contexto, que geralmente aliviam potenciais tensões. É a cena de assanhamento de King Kong (1976), as tiradas espertas de Dirty Harry em Perseguidor Implacável (1971) e as trapalhadas de Ash em Evil Dead (1981).
O mesmo vale para o drama que frequentemente aparece deslocado em alguns filmes. Casos da emoção forçada do fim de Click (2006), do sombrio monólogo de natal de Kate em Gremlins (1984) e do simbólico momento em que Cameron vê a si mesmo no quadro Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte, de Georges Seurat, em Curtindo a Vida Adoidado (1984).
Em um dos melhores momentos da comédia de ação Um Romance Muito Perigoso (1985), de John Landis, Jeff Goldblum entra em um quarto de hotel a procura de Michelle Pfeiffer. O local está vazio, mas repleto de televisores que exibem Abbott e Costello às Voltas com Fantasmas (1948). O som, o cenário e a fotografia simulam uma cena típica do cinema de horror. Em um dos ambientes, há corpos baleados espalhados pelo chão. O assassino, vivido por David Bowie, está atrás de uma cortina à espera da próxima vítima.
Nem brincando alguém categorizaria Um Romance Muito Perigoso como um título de horror. No entanto, o contrabando na obra feito pelo diretor, fã assumido do gênero, é inegável. Na animação Hotel Transilvânia (2012), de Genndy Tartakovsky, o processo é semelhante. Há, ali, inúmeras referências visuais e narrativas ao cânone do que o cinema identificou como horripilante. Ainda assim, o resultado é um produto inofensivo – e divertido – para crianças.
Esse debate sobre inscrição do horror em outros gêneros ecoa a ideia de hibridização cultural de autores como Peter Burke e Nestor García Canclini. Para eles, certos produtos culturais são construídos a partir de outros, que se mesclam e criam algo novo. Se levarmos o debate ao cinema, percebemos que muitas obras são híbridas.
Seria A Bruxa (2015), de Robert Eggers, um drama? Freddy Vs. Jason (2003), de Ronny Yu, é uma comédia? Quando foi a última vez que um episódio de The Walking Dead te deu medo? As respostas não são fáceis porque essas obras são constituídas a partir de referenciais do horror que, talvez, se materializaram em tramas de outros gêneros. Isso não quer dizer que elas não sejam horríveis, mas, certamente, não são só isso.
A ideia de inscrição de elementos de uma narrativa em outras também serve para refletirmos sobre como os gêneros são categorias frágeis. O que os determina nem sempre são critérios subjetivos, que, corriqueiramente, são desconstruídos quando postos para dialogar uns com os outros.