Robbie Freeling, o menino vivido pelo jovem Oliver Robins em Poltergeist: O Fenômeno (1982), morre de medo dos objetos inanimados do seu quarto. Especialmente do boneco palhaço, que observa o garoto dormindo, no meio do escuro. Em uma das cenas do filme, em que chove, o rosto do brinquedo aparece assustador entre os raios de luz que entram pela janela.
Tal momento ocorre logo no começo da trama, antes de os espíritos deixarem o televisor da família para sequestrar a personagem de Heather O’Rourke. Mesmo assim, não deixa de ser um dos mais interessantes da narrativa. Ali, reside a metáfora sobre o medo nem sempre precisa vir do desconhecido, como afirma o escritor H. P. Lovecraft (leia mais), mas também do que é familiar e próximo.
Não parece ser por acaso que o produtor Steven Spielberg inicialmente sondou o nome de Stephen King para criar o roteiro da produção. Como defendi em vários momentos desta coluna, a obra do escritor é toda centrada na ideia de que o horror surge da ordinariedade da vida cotidiana (leia mais).
O inquietante, cuja tradução não é exatamente precisa ao termo alemão original, evoca esse súbito estranhamento com o familiar. Por vezes, isso ocorre até mesmo com a ideia de acaso. Quando estamos diante de uma série de coincidências na nossa rotina, não é incomum as associarmos a alguma interferência sobrenaturais.
Na cena em que Robbie está no quarto, no entanto, não estamos diante de fato horrífico, mas de uma imagem muito conhecida para o próprio menino. O palhaço é um brinquedo que ele provavelmente gosta (ou ele não estaria ali no quarto). O problema é que o objeto fica estranho durante a noite, como se ganhasse vida. Para o criador da psicanálise Sigmund Freud, essa estranheza recebe o nome de o inquietante (unheimlich).
Para o autor, com alguma frequência pensamos que algo inanimado, como uma árvore, parece estar vivo. Às vezes, essa sensação surge quando olhamos por muito tempo para um mesmo objeto até ele perder o sentido e parecer assustador. Trata-se de uma incerteza das regras naturais, que brota do nosso subconsciente.
O inquietante, cuja tradução não é exatamente precisa ao termo alemão original, evoca esse súbito estranhamento com o familiar. Por vezes, isso ocorre até mesmo com a ideia de acaso. Quando estamos diante de uma série de coincidências na nossa rotina, não é incomum as associarmos a alguma interferência sobrenatural. Um borrão na forma de um rosto em uma fotografia imediatamente é interpretado como uma prova de que fantasmas existem. Comentar o nome de alguém e, horas depois, descobrir que essa pessoa morreu nos leva a ponderar se existe clarividência.
Esses sentimentos, explica Freud, remontam nossa própria infância, quando acreditávamos e esperávamos que o inexplicável e o fantástico fossem possíveis. Adultos, aprendemos as regras do mundo em que vivemos. Se sentimos que elas foram quebradas, recorremos a esse subconsciente e achamos o acaso perturbador.
Poltergeist: O Fenômeno acaba deixando o campo da inquietação cognitiva e abraça o sobrenatural com vontade no restante do enredo. Há filmes de horror, porém, que apostam muito só nessa necessidade de nos incomodar com o que conhecemos. A Bruxa (2015), Ao Cair da Noite (2017) e o recente Hagazussa (2017) criam medo com imagens de florestas, bodes e rostos de pessoas desconfiadas.
Durante a maior parte dessas narrativas, não existe ameaça. Só o desconforto de olhar para o inquietante. É como se esses filmes fossem versões extensas da cena em que Robbie Freeling cobre o rosto para não encarar que seu brinquedo parece agora um monstro.