Uma revista brasileira de circulação nacional escreveu que a França está “mergulhada em horror” após os ataques coordenados por extremistas vinculados ao Estado Islâmico na semana passada. Do mesmo modo, depoimentos das vítimas do “tsunami de lama” em Mariana, Minas Gerais, foram descritos como “relatos de horror” por um site brasileiro.
Nas duas situações, podemos perceber que a palavra “horror” é utilizada como um adjetivo que caracteriza atrocidades, tragédias e condições desumanas. Diante dos exemplos, chega a ser cruel imaginar que a mesma expressão pode ser usada para definir um gênero cinematográfico ligado ao fantástico.
O horror é, antes de tudo, um sentimento. “Uma sensação arrepiante de medo”, define o dicionário. Serve como sinônimo de “receio”, “medo”, “pavor”, “repulsa”, “aversão”, “ódio” e “crime bárbaro”. Sentimos horror quando temos medo, rejeitamos algo e nos sentimos ameaçados.
Em um violento acidente de carro que vemos na televisão, nos horrorizamos por sabermos que as vítimas envolvidas realmente morreram. Isso não acontece na ficção.
É evidente que não sentimos horror somente de coisas que existem. Somos assustados por histórias inventadas de assassinos mascarados, fantasmas, vampiros, múmias, zumbis e lobisomens. Livros, histórias em quadrinhos, programas televisivos, filmes e uma infinidade de outros formatos narrativos buscam provocar no público um sentimento que também é associado às tragédias que dominam nossos noticiários nos últimos dias.
Os horrores da destruição de cidades atingidas pelo lamaçal em Minas Gerais e dos ataques em Paris, no entanto, são diferentes do que o sentimento provocado por Frankenstein (1931), de James Whale. Para Nöel Carroll, autor de A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração, o distanciamento seria marcado pela ficção.
O horror dos médicos-monstros, cientistas malucos, criaturas marinhas e alienígenas geram um sentimento específico, chamado de “horror artístico”. As imagens de Mariana, os depoimentos sobre o Bataclan ou o tiroteio na redação do Charlie Hebdo estimulam uma reação semelhante, que leva o nome de “horror natural”.
A distinção entre os dois conceitos, segundo Carroll, surge a partir do que ele chama de objeto formal da emoção. No horror natural, esse elemento tem impacto direto na realidade em que vive o público. Em um violento acidente de carro que vemos na televisão, nos horrorizamos por sabermos que as vítimas envolvidas realmente morreram.
No horror artístico, a consciência do sujeito da emoção de que o objeto formal é falso/ficcional direciona o sentimento. Quando assistimos à adaptação de Whale para Frankenstein, nos sentimos horrorizados, mas há um conforto quando lembramos que o monstro vivido por Boris Karloff não é real.
Em muitos momentos, tememos pela vida dos protagonistas de The Evil Dead – A Morte do Demônio (1981), O Iluminado (1980) e A Profecia (1976). Também repelimos as forças sobrenaturais, os cadáveres grotescos e as bestas do apocalipse presentes em cada trama. Isso acaba quando a projeção se encerra, rebobinamos a fita ou tiramos o disco do DVD. Estamos em segurança ao experimentar os perigos do cinema de horror.
Com a realidade, os horrores são bem piores. Temos empatia, nos colocamos no lugar das vítimas e nos solidarizamos. Nos sentimos ameaçados de verdade. Tememos pelo que pode acontecer com o futuro. A ficção é sempre mais fácil de aceitar.