A historiografia clássica do cinema de horror costuma pensar o gênero a partir de ciclos de consumo limitados tematicamente em quadros temporais específicos. Dessa forma, a década de 1920, na Alemanha, foi marcada pelos títulos do Expressionismo Alemão. Nos Estados Unidos, os monstros da Universal dominaram entre 1930 e 1940. No auge da contracultura, por volta de 1960, a onda era valorizar as produções baratas e ousadas, cujo maior defensor era o diretor Roger Corman.
O pensamento cíclico, de um modo geral, é bastante restritivo e até conservador. Serve a alguns propósitos, como auxiliar na compreensão de certos movimentos artísticos e na própria indústria hollywoodiana, mas corre o risco de generalizar demais e excluir obras que fogem à regra.
Renascida do Inferno (The Lazarus Effect, 2015), primeiro longa-metragem de ficção do documentarista David Gelb, parece ser um ponto fora da curva nos ciclos de horror de Hollywood nos últimos anos, que tem privilegiado refilmagens, sequências e a estética dos found footages. O filme foi realizado com US$ 3 milhões, quantia baixa para os padrões da indústria, mas bem longe dos orçamentos do cinema independente, que abrigam muitas das obras mais legais do gênero.
A câmera de David Gelb não tem muito a mostrar ao público, pois todo suspense do filme é construído pelo diálogo dos cinco protagonistas. Essa característica evidencia o potencial para uma adaptação ao teatro de Renascida do Inferno.
A trama é a típica narrativa de horror de laboratório. Uma equipe de cientistas participa de um experimento que dá errado e, um a um, eles são mortos pelo resultado da ousadia de brincar de Deus. Receita seguida a risca em produções como Shakma: a Fúria Assassina (1990), Do Fundo do Mar (1999) e O Homem Sem Sombra (2000), entre outros.
No caso de Renascida do Inferno, a tal experiência é um soro capaz de ressuscitar os mortos. A personagem de Olivia Wilde, que vive uma das pesquisadoras, morre durante um teste com o produto e é revivida pelos colegas. Com a segunda chance, vem também um comportamento psicótico e telecinético, fruto de uma possível passagem pelo inferno.
A trama é uma colcha de retalhos de outras obras, pois empresta ideias de Carrie – A Estranha (1976), do clássico das madrugadas Linha Mortal (1990) e de O Exorcista (1973). O subtexto tensiona a relação entre ciência e religião de forma incisiva, mas sem muito a explorar visualmente, Gelb decide focar os debates nos diálogos dos personagens. Cheio de planos fechados e tomadas escuras, o suspense também acaba nas mãos dos atores. Essa escolha do cineasta evidencia o potencial teatral do roteiro da dupla Luke Dawson e Jeremy Slater.
Com mais coisa a dizer do que a narrativa permitia, Renascida do Inferno acabou massacrado pela crítica norte-americana (e pela brasileira). Uma pena, pois acho a produção uma tentativa louvável de trazer originalidade do horror. Não é nada como fez o surpreendente A Corrente do Mal (2014), mas vale dar uma conferida.
Quem produziu o filme, aliás, foi a Blumhouse Productions, a mesma de Sobrenatural (2011), A Entidade (2012) e Uma Noite de Crime (2013). Só por esses títulos, o estúdio tem créditos por inovar no gênero, apesar de dar muita força aos ciclos de consumo vigentes, com exaustivas sequências da série Atividade Paranormal, a mais famosa franquia de found footages.
Trailer de Renascida do Inferno
https://www.youtube.com/watch?v=h_xZ0j0stAg