Aminissérie The Undoing, recentemente exibida no canal HBO, mostra como a vida de um casal, interpretado por Nicole Kidman e Hugh Grant, é virada de cabeça para baixo depois que o marido é acusado de assassinar a amante. Ao longo de seis episódios, o público tenta entender de que modo o personagem, um pai de família e oncologista carismático, é capaz de tamanha atrocidade.
Em uma determinada cena, o personagem diz ao filho que existe dentro dele duas personalidades. Uma boa, que se preocupa com o próximo. Outra mais impulsiva, sádica e violenta.
A ideia de uma persona agressiva que sai de dentro de um homem bom é bastante explorada pelo cinema de horror. Ela é a base do romance O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. No clássico enredo, o médico Henry Jekyll testa em si mesmo uma fórmula que pode separar a bondade da maldade que existe em todo ser humano e libera sua parte mais horrível, quando um sujeito chamado Edward Hyde assume seu corpo.
A história foi adaptada algumas dezenas de vezes ao cinema. Uma das versões mais famosas talvez seja a de 1931, dirigida por Rouben Mamoulian e protagonizada por Fredric March. Considerada muito à frente do seu tempo, o filme representa a poção criada pelo protagonista como um mecanismo de escape para dar voz aos desejos do protagonista. O principal deles é a possibilidade de ter um caso com uma garota de programa, mesmo que seu alter ego esteja comprometido com uma dama da alta sociedade.
É curioso como esse tipo de narrativa, sobre o monstruoso capaz de matar que vive dentro de um personagem bom moço, raramente é representado como uma mulher.
Na produção de Mamoulian, Hyde espanca a amante e a mata quando ela ameaça escapar do relacionamento. Jekyll é atormentado pelo sujeito asqueroso que vive dentro dele, mas nunca assume responsabilidade por seus próprios atos.
O arquétipo seria o mesmo usado em filmes de lobisomem, como o próprio O Lobisomem (1941). No longa-metragem dirigido por George Waggner, o personagem de Lon Chaney Jr. sofre com a bestialidade que libera toda noite de lua cheia. O monstro funciona muito como uma força incontrolável, da qual o agressor é uma vítima tal qual as pessoas que mata.
É curioso como esse tipo de narrativa, sobre o monstruoso capaz de matar que vive dentro de um personagem bom moço, raramente é representado como uma mulher. De certa forma, esse é um demônio tipicamente masculino, criado como uma maneira de externar um comportamento real de homens.
Eu mesmo ouvi, não tem muito tempo, de um conhecido que havia brigado com a namorada de que ele sentia que havia duas pessoas dentro dele. A estratégia de dividir a própria personalidade em duas, tal qual os exemplos citados acima, não deixa de ser uma maneira de não assumir a responsabilidade sobre os próprios atos. Afinal, é preciso olhar no espelho e entender que, às vezes, você é mesmo o monstro.
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