Em algum momento da década passada, o cineasta Eli Roth foi aclamado por Quentin Tarantino como o futuro do cinema de horror. Isso foi pouco tempo depois do lançamento de Cabana do Inferno (2002), mas antes de O Albergue (2005), que o projetaria dentro do gênero e o marcaria como um diretor de gosto duvidoso.
A estreia da produção sobre jovens que são levados para câmaras de torturas modernas bancadas por ricaços abria um bom caminho para sua carreira artística. O crítico David Edelstein chegou a criar um termo novo para o gênero, ao descrever o título como um torture porn. O conceito buscava descrever a onda de obras baseadas no gore, no sadismo e no nudismo dos anos 2000, cujo filme de Roth e a sequência de 2007 seriam os grandes representantes.
Nos anos seguintes, o diretor acabou se afastando do comando das câmeras e se dedicou a produzir séries de televisão e atuar em filmes de amigos. Em 2015, o intervalo do cineasta foi quebrado com o lançamento duplo dos medianos Canibais (2014) e Bata Antes de Entrar (2015).
Os dois longas-metragens parecem fazer parte de uma nova fase na carreira do diretor, pois repete a parceria com os roteiristas Nicólas Lopez e Guilhermo Amoedo. Nas duas obras, a protagonista é vivida pela chilena Lorenza Izzo. Os quatro já haviam trabalhado juntos em Aftershock (2012), que tinha Roth no elenco e direção de Lopez.
Nas três obras, saltam aos olhos as estranhas escolhas do roteiro, que mescla a comédia escrachada com o horror sem nunca adotar qualquer um deles com firmeza. Em Canibais, pretensiosa homenagem ao ciclo de produções italianas que teve início com Holocausto Canibal (1979), um grupo de jovens ambientalistas cai nos garfos de uma tribo indígena de hábitos antropofágicos.
Ideais de ecologia, política estudantil e heroísmo são facilmente desconstruídos pelo roteiro, que busca amarrar um conjunto de cenas confusas, feita para constranger e torturar os personagens na frente do público. Não dá medo, não faz rir nem provoca empatia. Apenas incomoda.
O mesmo vale para Bata Antes de Entrar e Aftershock. Vendido como uma trama feminista, como o próprio cineasta afirmou em entrevistas, o filme de 2015 coloca Keanu Reeves na pele de um pai de família que, durante um feriado, fica sozinho para trabalhar e recebe a visita de duas mulheres estrangeiras desconhecidas. Elas o seduzem e, depois, decidem torturá-lo para se divertir. Na obra de 2012, um grupo de turistas baladeiros precisa fugir de criminosos que escaparam da prisão depois que um terremoto atinge o Chile.
Em sua obra, Eli Roth parece criar uma representação feminina baseada no constrangimento e na raiva. O mesmo vale para os latinos, indígenas e europeus que povoam seus roteiros.
Em cada um desses títulos, Roth parece olhar para os personagens com misoginia. Embora defenda Bata Antes de Entrar como uma ode às mulheres, na prática o cineasta estimula o ódio às personagens, que só existem para atormentar Reeves. Só para dar uma ideia do vazio da representação, em nenhum momento a motivação das torturadoras são explicadas ao público.
Em Aftershock, uma das protagonistas é torturada na frente das câmeras. Em Canibais, uma coadjuvante lésbica sofre com diarreia e se mata com um pedaço de osso ao perceber que está se alimentando de restos de sua amada.
O primeiro O Albergue já trazia características misóginas ao vilanizar mulheres que se ofereciam para jovens desmiolados norte-americanos para depois vendê-los para serem mortos. Outra característica do cineasta que parece vir do polêmico longa de 2005 é a xenofobia. Latino-americanos, indígenas e europeus são retratados como criaturas dissimuladas, corruptas e perigosas. Diante de tantas leituras controversas de suas narrativas, é difícil imaginar que o diretor ocupa um lugar semelhante ao que foi previsto pelo amigo Tarantino há mais de dez anos.