No dia 4 de julho de 1997, o jornal Tribuna no Paraná trazia em sua capa a manchete “Chupa-cabras passeava na estrada”. A chamada descrevia uma matéria sobre dois motoristas de ônibus de uma companhia de viação paranaense, que avistaram a estranha criatura – supostamente alienígena – atravessando a estrada.
A descrição dava conta de um bicho “corcunda, peludo, cabeça de rato, unhas gigantes e olhos do tamanho de uma bola de pingue-pongue. Coisa de outro mundo”. A ilustração, assinada pelo quadrinista Cláudio Seto, caracterizava o misterioso animal de uma forma bastante horripilante, como se fosse uma espécie de lobisomem.
Esta é uma das capas que analiso na minha tese como uma materialização de um imaginário fantástico no cotidiano, oriunda de uma área que chamo de Zona Crepuscular – em referência a área abstrata na qual se passam os enredos do seriado Além da Imaginação. O quadro desenhado por Seto é uma imagem extrema do jornalismo sensacionalista, que mescla diversas referências folclóricas do período, muito marcado por um ideário extraterrestre (leia mais).
A origem dessa teia imaginal, que afetou diretamente o modo como interpretamos uma série de ataques a rebanhos de cabras e ovelhas no país naquele ano, poderia facilmente ser rastreada na indústria cultural. Entre 1996 e 1997, foram lançados nos cinemas diversas produções com o tema alienígena, como Independence Day (1996), Marte Ataca (1996), A Invasão (1996), Contato (1997), O Quinto Elemento (1997) e MIB – Homens de Preto (1997). Isso sem falar no seriado Arquivo X, sucesso de audiência na FOX desde meados de 1993.
Muitas formas populares de representação do chupa-cabras, como a que aparece na capa da Tribuna do Paraná, associam o monstro a uma imagem canídea. Outras, no entanto, o veem como um ser de um metro e meio, com espinhos nas costas e longas garras afiadas saindo das mãos.
No Brasil, a presença alienígena era constante em programas de auditório como o Domingo Legal, então apresentado por Gugu Liberato, e no Programa do Ratinho, comandado por Carlos Massa. Este, inclusive, tinha um de seus repórteres mais famosos conhecido pelo apelido de ET. Curiosamente, a cultura do chupa-cabra parece justamente se popularizar no país especialmente por causa dessas duas atrações televisivas.
O pesquisador Benjamin Radford, que investiga o tema do ponto de vista folclórico em seu livro Tracking the Chupacabra: The Vampire Beast in Fact, Fiction and Folklore, de 2011, afirma que a mítica criatura só foi entendida como um suposto alienígena por causa do excesso de sensacionalismo da mídia porto-riquenha, de onde originalmente foram reportados os primeiros ataques a rebanhos de cabras e ovelhas. Datados de 1995, os aparecimentos de carcaças de animais em diversas fazendas na época foram interpretados como fenômenos sobrenaturais, mas poderiam muito bem terem sido resultados de ações de cachorros.
Não por acaso, afirma o pesquisador, muitas formas populares de representação do chupa-cabras, como a que aparece na capa da Tribuna do Paraná, associam o monstro a uma imagem canídea. Outras, no entanto, o veem como um ser de um metro e meio, com espinhos nas costas e longas garras afiadas saindo das mãos.
Para esta imagem, Radford tem outra explicação. A primeira pessoa a descrever o chupa-cabras dessa forma teria sido uma mulher chamada Madelyne Tolentino, que avistou o animal no quintal de sua casa. O relato da testemunha teria sido tomado em 1995, direto de Porto Rico, com o auxílio de ufólogos, que provavelmente estimularam sua imaginação.
A imagem que Tolentino recriou para seus entrevistadores, curiosamente, era muito semelhante a de um monstro que estava também presente no imaginário cinematográfico do período, o de Sil, a vilã do filme A Experiência (1995). A aparência do clone alienígena e humano criado pelo designer suíço H. R. Giger também possuía olhos vermelhos, as costas cobertas por espinhos e longas garras nas mãos.
Para Radford, o encontro de um predador que efetivamente atacou cabras e ovelhas em cidades porto-riquenhas com o cinema foi o que criou essa imagem de um monstro alienígena. O jornalismo sensacionalista latino-americano o importou para outras regiões, como o Paraná, que tinha moradores dispostos a associar qualquer cachorro que atravessa a rua como um ameaçador e sanguinário chupa-cabras.