Em meados dos anos 80, o produtor e cineasta Charles Band era um proeminente nome do cinema independente dos Estados Unidos. Por meio da empresa Empire Pictures, lançou filmes como Ghoulies (1985), Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos (1985) e Do Além (1986), entre outros. Chegou a ser chamado de “o novo Roger Corman” pela imprensa, em referência ao renomado produtor que abriu caminho para cineastas como Joe Dante, James Cameron e Francis Ford Coppola.
Band seguiu um rumo bastante distinto de Corman. Primeiro por não cuidar adequadamente das finanças. Na virada da década, a Empire Pictures faliu. O cineasta, então, fundou um novo estúdio, a Full Moon Features. Sem credibilidade na indústria, a marca se voltou para o home vídeo, especializando-se em títulos baratos, chamativos e de qualidade duvidosa.
Curiosamente, os filmes mais lançados pelo produtor depois dessa mudança são sobre mini-monstros e brinquedos assassinos. O Mestre dos Brinquedos (1989), Brinquedos Diabólicos (1992) e Evil Bong (2006) têm em comum a facilidade na criação de efeitos especiais, que compensam os roteiros furados e as atuações capengas do elenco mal pago.
Por isso, soa estranho imaginar que Band tenha se interessado, em meados dos anos 90, pelo cinema kaiju. Tipicamente, esse tipo de produção requer ambição, orçamento e acabamento nos efeitos visuais. Coisas escassas para a Full Moon Features. Não por acaso, os dois lançamentos saíram pelo selo Monster Island Entertainment, que se distanciava da fama questionável da outra empresa.
Os filmes, que hoje podem ser vistos gratuitamente na plataforma Tubi.TV, servem como curiosidade histórica, mas não muito mais do que isso. São experiências dolorosas demais até para quem está acostumado com filmes baratos de monstros gigantes.
Zarkorr! O Invasor (1995) e Kraa, the Sea Monster (1998) estão muito próximos do fundo do poço numa lista de melhores filmes com monstros gigantes. Ambas têm roteiro de Neal Marshall Stevens, cujo trabalho mais famoso no horror é a refilmagem de 13 Fantasmas (2001). Em nenhuma delas, o monstro, um homem vestido numa fantasia bem ao estilo suitmation, parece ser central à trama.
Dirigido por Michael Deak e Aaron Osborne, Zarkorr! O Invasor começa com um gigantesco alienígena despertando dentro de uma montanha. Próximo dali, um funcionário do serviço postal dos Estados Unidos recebe a visita de uma consciência extraterrestre, disfarçada de uma adolescente em miniatura. Tal qual as fadas da mitologia de Mothra – A Deusa Selvagem (1961), a mini-moça o alerta que ele deve salvar o mundo da gigantesca criatura, sem dar muitas instruções.
Enquanto Zarkorr destrói cenários de papelão em pequenas cenas de pouco mais de um minuto, o protagonista precisa encontrar aliados para vencer a ameaça. A narrativa do monstro e a dos humanos praticamente não se cruzam até a última cena do filme. Os momentos de destruição são tão visualmente interessantes quanto um episódio bem barato de uma série de tokusatsu de super sentai.
Para promover o filme, Band lançou cards especiais na revista Fangoria. Não colou. A fita se tornou uma piada entre público e crítica. A única coisa interessante é o próprio monstro, cujo visual original ainda é motivo de culto entre fãs hard core de narrativas kaiju.
Com cenas filmadas para Zarkorr! O Invasor e um enredo ultra rocambolesco, Kraa, the Sea Monster foi financiado para aproveitar o lançamento de Godzilla (1998), de Roland Emmerich. Há, inclusive, um momento em que a gigantesca criatura destrói um prédio com um anúncio da malfadada versão americana do gigante radioativo japonês.
Esse segundo longa-metragem foi comandado por Aaron Osborne e Dave Parker, que se dividiram em duas frentes da narrativa. A primeira, na Terra, acompanha um grupo de humanos que precisa proteger um alienígena com sotaque italiano. A segunda tem como foco um grupo de patrulheiros espaciais que precisa impedir um plano maligno de um vilão que enviou um monstro gigante para o nosso planeta. Novamente, os dois enredos praticamente não dialogam por toda a produção.
Kraa foi obviamente concebido com o visual de Gill-man, de O Monstro da Lagoa Negra (1954). Aqui, há mais investimento nas cenas de destruição e na variação de cenários, mas a trama é bem mais difícil de acompanhar. Na época do lançamento, a Fangoria, inclusive, elogiou o avanço nos efeitos visuais, mas considerou o filme como uma peça de entretenimento vazia e confusa, incapaz de divertir até crianças.
Band nunca mais investiu em cinema kaiju depois dessas duas incursões. Os filmes, que hoje podem ser vistos gratuitamente na plataforma Tubi.TV, servem como curiosidade histórica, mas não muito mais do que isso. São experiências dolorosas demais até para quem está acostumado com filmes baratos de monstros gigantes.