Há semanas que o que parece é que entro em um vórtice temporal e a segunda-feira retorna ao calendário com a velocidade da luz. As semanas passam deixando um rastro de tarefas inacabadas ou adiadas.
Não sei se é o frio, o tempo seco, o acúmulo de atividades, a mania de dizer sempre sim para passeios ou festas ou tudo isso somado ao fato de ter duas crianças pequenas em casa.
A mais velha tem 2 anos, a mais nova tem 5 meses. Se me deixo perder em devaneios, parece que foi ontem que descobri a primeira gravidez. Mas ao mesmo tempo parece que faz décadas, visto que tanta água já passou por debaixo da ponte desde então.
Nessas horas, a trilha sonora na minha cabeça é a “Oração ao Tempo”, e ele tinha razão: o tempo é tão bonito quanto minhas filhas e tão insano por passar tão rápido.
Um dia elas precisam de mim para tudo e no outro já nem me querem mais, preferem a escola, os brinquedos, os amigos ou o que for que elas gostarem mais nessa vida.
Passa rápido e ao mesmo tempo passa devagar e nos engole ou nos escancara: tudo que ficar por fazer e aqueles momentos (raros) em que não se quer fazer nada…
Já faz mais de dois anos que eu amamento. Primeiro uma criança, depois tive uma pequena pausa estratégica e depois a outra filhota. E nos próximos dias acrescente-se à agenda as horas de ordenha para armazenar leite e mandar para a creche enquanto a bebê aprende a comer as outras coisas comestíveis deste mundo.
Amamentar é sensacional, embora exaustivo. São momentos sublimes de entrega, aquele serzinho ali, sugando um líquido precioso que o corpo produz loucamente para saciar a fome física e emocional dos bebês.
E loucamente a cabeça funciona, a sede aperta, o peito produz leite. Leite. Tem cara de leite, jeito de leite, gosto de leite, nata de leite e azeda que nem leite.
E quando a criança chora o corpo instantaneamente produz leite, como em um truque de mágica. É tipo a bolsa do gato Félix. Precisa? Tá ali. Por meses é a mesma ladainha: chora o bebê, a mãe tem que estar perto para seguir a lógica do aleitamento.
Se o bebê está longe, mas chega a hora de mamar, a mãe ainda assim produz o leite, o seio fisga como num aviso: sirva ao seu filho, se ofereça novamente.
E de novo ele, o Caetano (Caetano: me larga, não enche), zune nas minhas orelhas cantando para eu derramar o leite bom.
Ter filhos é uma espécie de caos amoroso: ora tudo está de cabeça para baixo e no outro momento as coisas continuam de cabeça para baixo mas parece que é assim que elas devem ser.
Mas nem tudo são flores. Ter filhos é uma espécie de caos amoroso: ora tudo está de cabeça para baixo e no outro momento as coisas continuam de cabeça para baixo mas parece que é assim que elas devem ser.
Quando as crianças choram ou quando esperneiem ou quando não entendem o que está acontecendo e precisam expressar seus sentimentos, rolam lágrimas para todos os lados e a sensação de incapacidade ou de incompreensão para com as pequenas criaturas se agiganta.
“Mas que diabos eu tinha na cabeça quando resolvi colocar duas criaturas no mundo?”, eu me questiono. Nas horas de breu, de escuridão, de não entender o que as faz feliz ou de não conseguir negociar, ressurge a música que embalou minha adolescência e vejo os olhos coloridos do Bowie cantando aquela assim: “Oh you pretty things…”
Sim, me enlouquecem essas crianças. E aí a gente vê o noticiário e desanima ainda mais: desmonte do serviço público, desmonte da educação, da saúde, dos direitos. O trabalho das mães é invisível e a gente é preterida no mundo acadêmico ou do trabalho por ter filhos.
Mal sabem eles o poder de alguém que tem filhos: vira polvo, vira noites, vira detetive (pois tem que descobrir o que quer uma criança de 2 anos que tem vocabulário limitado e tem que descobrir o que quer outra criança de 5 meses que só sabe chorar ou dar risadinhas), precisa da grana para garantir o sustento e a jantinha da galera, quer construir um mundo melhor onde os filhos vão viver, enfim, é no fundo, bem no fundo, um baita otimista.
Apesar dos pesares, minhas garotinhas: o mundo é bonito e faremos de tudo para que os dias tragam melhores notícias para nós. O caminho é longo, temos uma vida dura para vencer, nos disse o John Lennon.
O sol se põe e me vejo diante de um grande desafio da maternidade, que me assombra muito antes de ter filhos: como faz uma criança dormir? Como faz duas crianças dormirem ao mesmo tempo? Tem tutorial no YouTube? Não tem. Não achei, pelo menos.
E suo frio ao pensar que chegou o dia de encarar a cama com as duas baixinhas. Todo o meu “pessoal de apoio” sem disponibilidade, precisei encarar o desafio. Deito no meio da cama de casal, aconchego uma perto de mim e para a outra, proponho uma brincadeira: deitar no travesseiro do lado da mamãe e fazer carinho no meu cabelo com os olhos fechados.
Deito de lado, de frente para a mais nova e a abraço, fazendo meu braço de travesseiro para que ela mame até dormir. Estou de costas para a mais velha e ela faz alguns nós no meu cabelo até que se aninha perto de mim. Se aconchega, faz uma “conchinha” e começa a respirar mais devagar.
Coloco meu braço por cima dela e canto baixinho a do Cazuza, para demonstrar que quero fazê-las feliz, não importa qual caminho eu tenha que seguir. E que às vezes é desgastante, mas é maravilhoso.
As duas dormem, cada uma de um lado de mim e ambas meio abraçadas comigo. Respiram e suspiram ao mesmo tempo. Que sintonia doida é essa? Consigo me esgueirar por baixo das cobertas (a cena deve ser bizarra, mas não posso descobri-las para sair daquele ninho) e desço para minha merecida taça de vinho que marca o encerramento do expediente materno naquele dia.
Virão outros tanto dias e novas músicas embalarão nossos momentos. Prometo, acima de tudo, sempre preparar uma playlist para nós, juntas, navegarmos até a lua.
*Em tempo: cantar para os filhos é sensacional. Não sou afinada nem entendo de música nem nada, mas a reação das crianças com a música é mágica. Músicas acalmam, prendem a atenção, fazem com que entendam as situações.
Até agora, nesses dois anos de maternidade, músicas me salvam sempre. Além disso, criar o gosto por música nos pequenos não deve ser tempo perdido, não é? Tanto as preferidas dos pais quanto as do cancioneiro popular: o que vale é criar o gosto pelo embalo bom das canções.
Minhas filhas ficam paralisadas diante do clipe de “Despacito” (quem não quer estar em uma festa latina? Eu quero) e a mais velha fica triste quando toca Trem-Bala na rádio. Descobrir esse tipo de estratégia e reação é sensacional.
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