Uma criança nasce incompleta. Para se ter ideia de quanto ela ainda vai crescer e se desenvolver depois de sair do útero da mãe, imagine que o cérebro só para de crescer lá pelos dois anos (por isso um pedaço do crânio dos bebês é “aberto”, a moleira é o espaço necessário para esse crescimento). Precisa ser ninada, alimentada, tem que aprender a falar e, obviamente, não faz xixi e cocô no banheiro, diferente dos adultos civilizados. Para tal característica, bem peculiar, foram inventadas as fraldas, estruturas de pano ou plástico que vestem o bebê em suas “partes íntimas” e absorvem as necessidades fisiológicas dos pequenos seres humanos.
Acontece que, para funcionar adequadamente, a invenção precisa ser substituída eventualmente. E em locais públicos, estabelecimentos comerciais, paradores de beira de estrada, restaurantes, supermercados, museus, praças, consultório médico, ginásios de esporte, lojas variadas, shoppings (sim, até nos shoppings, vistos em geral como um oásis de conforto para quem sai com bebês e, às vezes, única opção disponível para passeio) ou qualquer lugar diferente da casa onde moram os bebês, essa tarefa tão singela pode ser difícil de executar.
Porque os lugares estão despreparados para receber crianças, sua vitalidade constante e seus organismos e intestinos que ainda funcionam tão bem. Há muitos lugares que não oferecem trocadores ou fraldários e, quando há, em geral, a higiene do local não é exemplar (embora ok, esse é um problema contornável). Mas em uma infinidade de locais não há nem sequer previsão para esse tipo de necessidade. A ausência de uma estrutura preparada para trocar e limpar bebês ou até alimentá-los (há quem prefira fazer isso de forma mais reservada) é um claro obstáculo ao retorno à vida social dos pais e cuidadores e à inclusão das crianças nos mais variados passeios.
Os lugares estão despreparados para receber crianças, sua vitalidade constante e seus organismos e intestinos que ainda funcionam tão bem.
Acaba que, onde não tem trocador, o jeito é improvisar. O destino mais comum é o banco traseiro ou porta-malas do carro. Mas e se você está a pé? Aí a mesa, o banco da praça, o gramado do parque ou o sofá da sala de espera vão servir de apoio para a troca de fralda; faço isso sem titubear. E, olha, sem cara feia ou reclamação por ver o bumbunzinho (limpo ou não) de um bebê, hein!?. Com certeza essa não é a situação ideal para nenhuma das partes envolvidas, mas é o que vai acontecer, eventualmente, se o local escolhido para um passeio familiar não contar com essa infraestrutura.
Acho pertinente, nesse momento, atentar aos empresários e empreendedores que um local para trocar as fraldas de um bebê não é lá um investimento muito vultuoso. Um trocador de parede, que ocupa pouco espaço, pode ser “dobrado” e exige uns quatro ou seis furos na parede custa cerca de R$ 400 (mas usado encontra até por menos, risos).
Um apoio para banheira, que vem com trocador e também pode ser dobrado, sai por cerca de R$ 200 e, no brechó, já vi pela bagatela de R$ 70. Acredito que é um investimento inteligente e neste momento faço um apelo estritamente mercadológico: já pensou que um bebê que frequenta o teu estabelecimento desde pequeno é um potencial cliente? E nos locais públicos, fica a dica aos gestores: eu sei, eu sei que falta dinheiro para tudo nessa cidade/estado/país. Mas vamos tentar colaborar com o acesso ao lazer para o cidadão?
Questão de gênero
Ainda sobre o lugar para trocar as fraldas do bebê: outro ponto desta discussão é o fato óbvio que a maioria desses espaços está disponível apenas para a mulher. Sim, estamos em 2016 e o trocador de fraldas fica, com raríssimas exceções, no banheiro feminino. O que isso significa? Que nesse item da vida, estamos, mais uma vez reforçando um estereótipo de gênero forjado pela sociedade patriarcal e machista que indica que a tarefa de cuidar dos filhos é destinada à mulher. Aqui em casa vale a regra do revezamento – cada um troca uma – e, em geral, fico em desvantagem quando estamos fora de casa.
Até o Ashton Kutcher (sim, o ator…) percebeu essa discrepância e organizou uma petição online para pedir mais fraldários unissex. Em maio deste ano, no Rio de Janeiro, um pai foi “convidado a se retirar” do “espaço família” de um shopping, pois não poderia haver homens ali.
Pois bem, sociedade. É hora de aceitar os bebês, acolher a presença dos pequenos e dos seus pais, familiares e cuidadores. É uma ótima chance também para pôr em prática um exercício de igualdade de gêneros e disponibilizar esse espaço para homens e mulheres.
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