O mercado editorial voltado aos assuntos da maternidade/paternidade apresentam um sem-fim de manuais, listas, dicas e livros que tratam da tarefa de criar os seres humanos em miniatura que costumamos chamar de filhos. Todos muito úteis e válidos, mas se a intenção é simplificar e focar na leitura de um “manual” mais básico, o ideal é ler a carta que Chimamanda Adichie escreveu para uma amiga que pedia dicas para criar a filha, que havia acabado de nascer. O texto – claro e conciso – apresenta 15 sugestões sobre como criar uma criança feminista e trata a questão de gênero de forma bastante didática.
Em Para Educar Crianças Feministas (Companhia das Letras, 2016), a escritora nigeriana retoma o assunto já tratado em obra anterior (Sejamos Todos Feministas, também lançado pela Companhia das Letras) e facilita ainda mais o entendimento sobre o tema, tão urgente e necessário.
Em cada uma das sugestões, ela reforça e deixa clara a mensagem central: feminismo é a defesa da igualdade entre homens e mulheres. Mas igualdade mesmo, irrestrita e verdadeira, não apenas aparência de igualdade.
Pais e mães do mundo, uni-vos em torno deste livro e deixem qualquer preconceito anterior com o tema de lado para dedicar cerca de meia-hora de leitura (é só isso que o livro exige). Enquanto elenca as sugestões para criar crianças feministas, Chimamanda mostra que respeito é primordial e que, na criação dos filhos, acabamos repetindo padrões que reforçam o papel subalterno da mulher na sociedade.
‘Se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial’ – Chimamanda Adichie.
O livro é um guia completo: serve para iniciantes que têm pouca familiaridade com o assunto, mas também é um “puxão de orelha” para quem já se sente proficiente com o tema, mas que repete sem querer uma série de estereótipos sobre o que é ser uma “boa mulher” ou sobre qual é o papel do homem.
Mesmo que em casa saibamos sobre o peso do patriarcado sobre as mulheres e mesmo que busquemos nos desvencilhar disso, minha filha de apenas dois anos já associa o uso de brincos e adereços no cabelo com mulheres e reconhece meninos e meninas em um dos seus livrinhos, mesmo que a diferença entre os personagens seja muito sutil, muda só a cor da roupa…
E ainda escuto muita gente dizer: “ah, meninos desde cedo são agitados e meninas são mais calmas”, pois tenho duas filhas tranquilas (apenas pela personalidade delas e não por serem meninas). A leitura das dicas da Chimamanda nos ajuda a atentar para esses pequeníssimos detalhes do cotidiano.
Entre as dicas, a autora ressalta que a maternidade não é um fim em si mesmo: a mulher que é mãe nunca deve ser abnegada; pelo contrário. Ser uma mulher completa e feliz também em outros aspectos será bom para nossos filhos. Portanto, mães não devem se culpar se querem ou precisam trabalhar, se querem estudar, se deixam os filhos na creche ou se querem horas livres para gastar com outras coisas que não sejam os filhos.
Ela também indica que sejamos cuidadosos com o que dizemos: a linguagem tem uma força extraordinária, então precisamos parar de falar, por exemplo, que os homens “ajudam” as mulheres na tarefa de criar os filhos. Dessa forma, estamos reforçando que este papel não é deles.
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Chimamanda lembra que o argumento “porque você é menina” nunca deve ser razão para nada, ou seja, ser mulher não deve ser uma limitação para como a criança pode ou não agir. Lembro sempre do “sente-se como uma garota”, “meninas não se sujam”, “futebol é coisa de menino” que ouvi na infância; mães/pais que proíbem as filhas de brincarem com carrinhos ou os meninos de quererem brincar com bonecas; entre outras regras limitantes que foram naturalmente impostas a tantas e tantas gerações. “Se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial”, resume a autora.
Por fim, um argumento merece atenção especial: ela indica que as crianças devem ser expostas à diversidade. Para mim, essa é a regra de ouro na educação. Permitir que as crianças tenham contato com o diferente, para que ampliem seus horizontes e sejam mais humanas. “Torne a diferença normal. Ensine-a a não atribuir valor à diferença. E isso não para ser justa ou boazinha, mas simplesmente para ser humana e prática. Porque a diferença é a realidade de nosso mundo. E, ao lhe ensinar sobre a diferença, você a prepara para sobreviver num mundo diversificado”, diz o livro.
O livro é daqueles que dá para ler sempre e ainda por cima é uma ótima sugestão de presente para futuros pais. Antes que se percam em manuais sobre alimentação ou sono dos bebês, a obra nos resgata para pensar o que é mais importante: uma educação para a igualdade.
PARA EDUCAR CRIANÇAS FEMINISTAS | Chimamanda N. Adichie
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Denise Bottmann;
Quanto: R$ 11,90 (96 págs);
Lançamento: Março, 2017.