Entre os tantos desafios e obstáculos da maternidade, ter filha menina impõe mais um: fugir do óbvio, fugir do rosa (que persegue as meninas em roupas, sapatos, objetos cotidianos e brinquedos, tornando a vida das pequenas praticamente monocromática), fugir do clichê de todos os papéis femininos que nos são impostos cotidianamente. E não é fácil trilhar esse caminho, pois significa “sair do trilho” desde a escolha das peças do enxoval: parece incrível mas, para crianças, artigos como copo, prato, escova de cabelo e cortador de unha tem opções rosa e azul; tudo bem definido, é claro.
Significa “sair do trilho” e desmistificar aquele comentário machista do tipo: “ela fica mais tranquila no colo de homens… huuummmm” (dito com malícia sobre uma criança de um ano); significa procurar roupas e sapatos neutros, porque a distinção entre o que é de menino ou menina é muito marcada, mais que nas roupas de adultos; significa perceber quais as brincadeiras favoritas da criança (e a do exemplar de criança que tenho em casa é cuidar e ninar bonecos e bichos de pelúcia, pois repete o que é feito com ela) e tentar incentivar outras atividades antes que ela ganhe definitivamente rótulo de “cuidadora”, hipótese que já veio à baila algumas vezes.
O livro é indicado para crianças de 3 a 6 anos, no período em que o termo feminino ainda não é visto como pejorativo na cabeça das crianças.
Vivemos uma época de mudanças muito rápidas. Ninguém imaginava a internet do tamanho que ela é hoje há 30 anos e ninguém sabe se as atividades que conhecemos atualmente serão úteis no mundo daqui a 20 anos, ou com o que nossos filhos vão trabalhar, ou como estará a sociedade. Então, por que limitar a criatividade justamente das crianças pequenas, que podem estar inventando o futuro?
O livro Coisa de Menina – fruto de financiamento coletivo na internet – é um bom caminho para começar a desfazer pensamentos que corriqueiramente passam pela cabeça das pessoas quando se deparam diante de uma pequena menina. A obra foi escrita e ilustrada pela desenhista Pri Ferrari, e o projeto começou a ganhar forma por meio de uma “vaquinha online”. No entanto, no meio do caminho, a ideia ganhou corpo e a primeira edição do livro foi lançada pela Companhia das Letrinhas, braço infantil da Companhia das Letras. O valor do crowdfunding foi direcionado para uma ação social e 500 exemplares do livro foram distribuídos nas comunidades Grajaú, Brasilândia e Capão Redondo, em São Paulo.
O exemplar da minha filha foi presente da madrinha (obrigada, querida!) e já começamos a ladainha sobre as meninas que são astronautas, químicas, motoristas, bombeiras, presidentas, artistas, esportistas ou cuidadoras (se assim quiserem e se for de livre e espontânea escolha). A obra possui linguagem simples e desenhos chamativos que ilustram as diversas atividades que podem ser realizadas pelas mulheres. Mensagens de feminismo e de perspectivas de vida são transmitidas pelas páginas coloridas.
De acordo com a autora, o livro é indicado para crianças de 3 a 6 anos, “no período em que o termo feminino ainda não é visto como pejorativo na cabeça das crianças”, disse a autora em entrevista. A motivação do livro foi justamente a irritação da autora com o papinho “isso é coisa de menino, isso é coisa de menina”. Para ela, isso é limitante! “É na infância que a gente percebe que não existe regra e que todo mundo pode tudo: tem menino que gosta de brincar de casinha, tem menina que gosta de construir foguete. Por que, então, temos que nos adaptar a certos padrões de comportamento?”, disse a autora, durante a campanha para lançamento da obra.
Pais, amigos, cuidadores: incluam o livro para presentear. Natal está aí e esta pode ser uma boa opção para fugir do óbvio. Com ou sem o livro em mãos, dá sempre para discutir e suscitar esse assunto quando as crianças (ou adultos) começarem a rotular o que é de menina ou de menino.