Antes de ter filhos eu tinha pavor do que chamo de “efeito telletubies”. Diz respeito ao fato de que tudo que é relacionado ao mundo infantil tenha que ser lerdo, colorido de forma exagerada e simplória, além de repetitivo. Senti o auge da minha ojeriza a esse mesmo “efeito” ali por 2013, no auge da fama da Galinha Pintadinha.
Eu não tinha filhos, mas contem aí dezenas de crianças com as quais eu tinha contato se for levar em conta sobrinhos e filhos de amigos. Onde ia, lá estava a personagem: azul, com bolinhas brancas, cantando e cacarejando. Os filminhos de sucesso seguiam a lógica que me causava terror: muito colorido, linhas simples, desenhos exagerados, músicas que parecem ter sido feitas em instrumentos musicais infantis (daqueles que tem apenas 3 tons diferentes).
A galinha era presença constante onde havia crianças. Havia uma piada interna das mães que dizia que não havia como fugir, mas que todos da casa aprenderiam as músicas do DVD da Galinha Pintadinha, afinal, ele era repetido à exaustão para entreter as crianças.
Eu achava tão tosca a tal da galinha que não me imaginava oferecendo este produto cultural para meus futuros filhos assistirem por horas a fio. Mantive mais ou menos essa opinião depois que minha primeira filha nasceu e buscava outras opções de desenhos para que ela assistisse.
Quando ela já tinha mais, bem mais, de um ano, eis que me deparo com uma daquelas situações-chave da maternidade onde é preciso manter a compostura: a hora de cortar a unha da criança. Era uma fase em que a ação trivial gerava choro sem fim e, naquele dia em questão, eu não tinha mais argumentos ou brincadeiras ou paciência para negociar e resolvi recorrer à Galinha (porque não acho justo fazer essas coisas à força).
Mas o que mais me chama atenção nela e que eu não tinha sido capaz de reparar antes de ter filhos, é que a personagem resgata o cancioneiro popular.
Sabia da fama da personagem, que era capaz de distrair as pequenas mentes por horas. Esperava que a “mágica” acontecesse também com a minha filha e que, vidrada na personagem, eu pudesse cortar as unhas da mão sem grande esforço.
Depois do play, vi o momento crucial: os olhos da filhota brilharam ao ver as primeiras cenas e paralisaram para prestar atenção no cocó da Galinha. Não deixei a oportunidade escapar e tratei de executar minha missão.
Acontece que felizmente (ou infelizmente, ainda não sei) nenhum desenho animado é capaz de entreter e paralisar minhas filhas por horas, como eu via em outras crianças.
No máximo em 10 minutos alguma outra coisa já chama atenção ou o desenho cansa e a vida continua. Acontece que, a partir desse dia, usei a Galinha Pintadinha em situações específicas e prestei atenção da dita cuja.
Ela nem é tão terrível assim. Agora até acho ela simpática, embora alguns clipes mostrem uma relação muito errada entre ela e o Galo Carijó (mão feminista é chata mesmo).
Mas o que mais me chama atenção nela e que eu não tinha sido capaz de reparar antes de ter filhos, é que a personagem resgata o cancioneiro popular. Com exceções pontuais, a maior parte das animações foram feitas com base naquelas músicas infantis clássicas, que todo mundo canta (o que faz parte de uma grande sacada comercial, mas isso são outros 500).
“O sapo não lava o pé”, “Sambalelê”, “Um elefante incomoda muita gente”, “Escravos de Jó”, “Tumbalacatumba” e “Fui morar numa casinha” estão lá, entre outros tantos “hinos” infantis.
Ouso dizer, então, que a personagem cumpre um papel social, reforçando e transmitindo conhecimento de geração para geração. Nesse sentido, a Galinha até ajuda a criar um elo entre as crianças, que agora são criadas mais distantes entre si e, inevitavelmente, mais fechadas em seus próprios núcleos familiares (coisas do nosso tempo).
Continuo usando a Galinha com parcimônia, afinal, se tem uma coisa que a gente aprende sendo mãe é que não dá pra ser nem 8 nem 80 com nada nessa vida.
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