Os produtos e produções Walt Disney são inevitáveis há muitas gerações. Você pode até tentar fugir dos grandes clichês, mas eis que, sem nunca ter apresentado nem incentivado o famoso rato, um dia sua filha de 1 ano e meio vai reconhecer o personagem e sair gritando Mickey enquanto agarra um boneco dele numa loja e não larga nem por decreto (pois é, aconteceu…). Já aceitei o fato de que minhas filhas terão contato com os personagens mais famosos, embora eu continue fugindo da Galinha Pintadinha, Peppa Pig e afins como “o diabo foge da cruz” (até porque acho que a criança vai gostar do que a gente apresenta para ela e consome junto com ela do que o dvd mais vendido).
Acontece que a constante fuga não significa evitar totalmente o contato e eventualmente sei que chegará a fase em que minhas filhas vão querer ser princesas. Vão querer ser as princesas dos desenhos animados, as princesas da Disney. E, tudo bem, desde que esse seja um interesse genuíno. Da minha parte, ficará a responsabilidade por não censurar nenhum tipo de brincadeira, seja com as panelinhas, com o vestido de festa e maquiagem, bola de futebol ou foguete espacial.
Por isso, fiquei contente demais quando vi Moana – Um Mar de Aventuras (direção: John Musker, Ron Clements), animação que estreou no Brasil no dia 5 de janeiro. O longa apresenta a nova princesa da Disney e evita o óbvio sobre princesas, que em geral gira em torno de príncipes e delicadezas. A personagem é tudo isso que talvez você já tenha lido sobre ela: independente, articulada, corajosa, toma decisões por conta própria. Luta e vai em frente, sem dar ouvidos aos palpites alheios. É claro que há os clichês, o vilão meio bocó que no fim das contas ajuda a moça a salvar o mundo, é um musical, enfim… É um filme, um produto, feito para ser consumido em larga escala.
Com Moana, damos um passo a frente num caminho que considero inevitável e que me garante pelo menos um pouco de otimismo diante de tanta calamidade: os produtos para crianças estão mais diversos, mais plurais e assim precisam ser, porque é assim que o mundo é.
Mas o impressionante é que o roteiro traz duas ideias que parecem simples e que deveriam ser corriqueiras, mas não são. 1. A princesa tem seus pais, familiares, um bichinho de estimação, seu povo (que a ama incondicionalmente, óbvio), mas não necessariamente tem um par romântico e a fim da história não é um “casaram-se e viveram felizes para sempre”; 2. Ela salva outra mulher, uma entidade mitológica que estava se autodestruindo. A noção de sororidade (união, empatia, companheirismo entre mulheres) fica evidente e é maravilhoso que esse conceito – embora subentendido – se alastre. Sempre acreditei que as mulheres precisam ajudar umas às outras e, com a missão de criar duas filhas mulheres, confesso que esse ideal ficou mais forte para mim.
É bom que Moana Waialiki – nome completo da princesa – esteja no rol dos personagens que serão exemplos para as crianças. A princesa pode querer casar, assim como pode querer sair velejando mar afora, e também pode dar um perdido na galera e sair congelando tudo (como vimos em Frozen, 2013, também da Disney e que já apontava para novidades nas animações da gigante do entretenimento). A princesa pode ser branca de olhos azuis, assim como pode ser de uma tribo da Polinésia – caso da Moana – portanto terá características físicas diferentes.
As princesas e os personagens dos filmes, desenhos e livros tem de retratar a diversidade que temos na sociedade, para que as crianças se vejam e reconheçam ali. Assim, elas se sentem fazendo parte do mundo sendo quem elas são e não precisam fantasiar histórias ou características impossíveis de assumir.
Com Moana, damos um passo a frente num caminho que considero inevitável e que me garante pelo menos um pouco de otimismo diante de tanta calamidade: os produtos para crianças estão mais diversos, mais plurais e assim precisam ser, porque é assim que o mundo é. Só desse jeito vamos garantir que nossos filhos sejam mais conscientes de si mesmos e dos outros e, quem sabe, a médio ou longo prazo, construam uma sociedade melhor do que a que estamos deixando para eles. Não devemos nem podemos lavar as mãos, mas se encaramos o cuidado e a criação das crianças como um ato político (mesmo que isso signifique ser muito chato), também garantiremos nossa contribuição.