Os oito episódios da série Stranger Things, disponibilizados em julho na Netflix, foram capazes de garantir um lugar cativo na cultura pop. A história se passa nos anos 1980 e a receita dos produtores inclui ingredientes como um quê de mistério à la Stephen King, os bonitos laços de amizade entre um grupo de garotos como visto em The Goonies, boas pitadas de saudosismo dos que nasceram e cresceram há 30 anos. A mistura deu tão certo que, só no mês de lançamento, a estimativa é que 16 milhões pessoas ao redor do mundo tenham assistido o enredo, tornando-se o maior sucesso da plataforma.
Não é uma série para assistir com as crianças mais novas (meu caso atual) – talvez com as mais grandinhas e corajosas seja uma boa pedida. Por aqui, para ver os episódios, fizemos uma maratona em um fim de semana, aproveitando os horários de sono do bebê (pois é, a gente se adapta e tudo bem!), pois os elogios dos amigos e da crítica aguçavam a curiosidade. Assisti a primeira temporada da série e me dei conta sobre o quão falaciosa é uma determinante da maternidade/paternidade: “ter filho muda a sua vida!”. Nunca engoli bem essa “grande verdade” e refletindo sobre o enredo, pude confirmar minha suspeita: ter filho muda o jeito de ver a vida e não “a vida” propriamente dita.
Porque elucubro sobre isso?! Porque além das referências aos anos 80 e a história de suspense, me chamaram atenção em Stranger Things as relações familiares, principalmente entre pais e filhos, doces e marcantes. Foi gritante para mim que o desenrolar da história só acontece por causa da crença de uma mãe em seu filho.
Porque além das referências aos anos 80 e a história de suspense, me chamaram atenção em Stranger Things as relações familiares, principalmente entre pais e filhos.
Se Joyce Byers (interpretada por Winona Ryder) não fosse extrema na defesa daquilo que acreditava, o restante da história não faria sentido. A princípio, a personagem é apresentada como uma mãe que apenas relapsa e atormentada, sendo inclusive culpada pelo desaparecimento do filho Will, de 12 anos. No entanto, a trama mostra a obstinação da qual uma mãe é capaz para encontrar o rebento, que ela acreditava estar vivo. Assim, Stranger Things revela uma mãe real. Uma mãe humana, que erra, mas que dá o melhor de si para defender os filhos dos vilões e monstros, sejam eles reais ou imaginários.
O detetive da pequena cidade fictícia de Hawkins, Jim Hopper (vivido por David Harbour), embora não seja nada meigo (é até meio Chuck Norris demais) deixa transparecer seu lado paternal ao lembrar e falar da filha, já morta. É essa faceta do personagem que permite que ele assuma e defenda, com unhas e dentes, a investigação do caso do sumiço do garoto Will, mote inicial da história.
Eleven, papel desempenhado por Millie Bobby Brown, é uma garota fruto de um experimento científico militar (anos 80, Guerra Fria… enfim) que possui superpoderes. Mesmo assim, não deixa de ser filial. Como qualquer criança, se baseia em uma referência paternal, que é o seu tutor. Na história, ele é mau. Mas isso não impede que na maioria dos episódios ela mencione a figura e queira recorrer a ele em momentos de fragilidade. Outra relação familiar que se apresenta e que foi significativa para consolidar este olhar materno sob a série foi a menção à mãe biológica da personagem, que enlouqueceu à procura da filha, dada como falecida. Assim como a motivação da mãe de Will, esta mulher, secundária na história, representa a força (e o extrapolar dessa força, a loucura) materna e o que representa um filho.
Eleven é acolhida por um dos garotos da trupe e amigo de Will, Mike Wheeler (Finn Wolfhard). A família de Mike também um retrato familiar expressivo: mãe sobrecarregada no cuidado com os filhos, pai ausente na criação e irmãos interagindo aos trancos e barrancos. A irmã mais velha de Mike, Nancy (Natalia Dyer) vive dilemas adolescentes e fala sobre a família. Ela não quer ter o mesmo destino dos pais, impasse vivido por 11 a cada 10 jovens comuns no mundo.
Em Stranger Things, o conjunto da obra é positivo. O roteiro é envolvente e a segunda temporada já está garantida. Como a organização familiar é a base da sociedade, obviamente ela está retratada e pode ser o tema central de diversas produções culturais. Por isso, vale ressaltar que o sucesso da série também passa pelos “detalhes” da relação entre os personagens, fragilidades e força de cada um, forma com a qual o público se vê representado na trama.