Uma mudança recente na maternidade é o fato de esse momento ser compartilhado e vivido com redes sociais. O ônus e o bônus do acesso a essas ferramentas ficam evidentes quando se vê perfis que tratam de maternidade – até mesmo aqueles que apelam para o humor. Como as redes sociais são só um recorte, costuma-se dourar a pílula quando se trata da própria prole (e eu me incluo aqui).
Recentemente, dois posts de duas mulheres que atuam como influenciadoras nas redes sociais e tiveram filhos há quase um ano me fizeram pensar sobre o assunto. Ambas empoderadas, donas de negócios, donas de suas vidas. Mas que, mesmo se colocando como verdadeiras com relação à maternidade, desabafaram meio que como “pedindo desculpas” pela condição e pelo desabafo.
Os posts de Instagram, que podem ser vistos aqui e aqui, são lindos e sinceros. Mostram que a vida com filhos não é só boa ou ruim, ela é como tudo da vida: tem partes boas e partes ruins, tem prós e contras. Eu lembro de escrever sobre isso aqui depois de ter mandado o primeiro texto desta coluna para uma amiga mãe. E ela havia me dito na ocasião: “você romantiza demais a maternidade, tem que expor a ferida!”
Sim, há uma “ferida”: mas ela representa menos o luto e mais o renascimento. Ter um filho é se encontrar com as próprias sombras, admitir os próprios pesadelos e aprender a lidar com eles ou não. Mas saber que eles existem, reconhecer que eles influenciam a sua vida é um grande avanço, é amadurecimento.
Essa negação da ambivalência e dos sentimentos conflitantes gera o silenciamento e até as bizarrices, como o movimento child-free.
E é lindo ver as mães que se reencontram consigo mesmas, que encontram caminhos para fazer valer a si mesmas sem precisar dar as costas às crianças, afinal, elas não precisam de nada além de convívio e parceria.
A mesma sociedade que romantiza a maternidade espera ver uma mãe triste, deprimida, acabada, quase como envergonhada por não estar mais entre as “donzelas”. Afinal, a maior parte delas está sobrecarregada justamente porque é difícil falar sobre a maternidade.
Uma pesquisa da área de Psicologia da UFRGS de 2020 analisou os textos de 101 blogs de mães com filhos até um ano de idade que tratam sobre o “lado B” da maternidade. Na análise, sentimentos conflitantes aparecem sobre si mesmas, sobre o bebê, sobre os relacionamentos e as pessoas próximas.
As autoras destacam essa necessidade de se abrir, de ter espaços de fala para falar tanto bem sobre a experiência quando mal dela. Mas por que algo que parece tão simples é considerado tão estranho? Bom, você não gosta do seu chefe ou do colega de trabalho, nem todos os dias o trabalho rende, mas no dia seguinte você está lá, certo? Você tem problemas com seus familiares, acha todo mundo chato, mas eventualmente sabe que precisa lidar com eles. Você ama costela, mas sabe que de vez em quando tem que comer salada. Ou, ainda: você ama praticar esportes, mas sabe que de vez em quando tem que parar, para não castigar o corpo.
Por que com os filhos tratamos do assunto como 8 ou 80? “Uma mãe saiu sozinha de casa, veja como ela não dá bola aos filhos”. “Não voltou a trabalhar depois da licença maternidade, coitada, essa aí está perdida”. Enquanto em tantos outros aspectos buscamos o meio-termo, por que na maternidade achamos que tem um lado para escolher? Essa negação da ambivalência e dos sentimentos conflitantes gera o silenciamento e até as bizarrices, como o movimento child-free.
Afinal, depois de parágrafos sem resposta, continuo do mesmo jeito: sem resposta. Mas mais convicta de que as mulheres precisam ser livres para se expressar. Se você convive com uma mãe, ouça sem julgar!