Longe de mim escrever hinos à família. Há pouco tempo não imaginava ser mãe, parir, abrir mão da minha vida como ela era – estava cômodo daquela maneira – e da cervejinha no bar. A vida profissional vinha em primeiro lugar e parecia que, fatalmente, engrossaria a estatísticas de jovens casais sem filhos. Acredito, aliás, agora muito mais que antes, que a opção de ter filhos ou não deve ser pessoal e intransferível.
Vejo muitos amigos e conhecidos escolhendo não ter filhos. É uma decisão corajosa. “Sou muito egoísta pra isso”, dizem alguns. “Quero continuar tendo a minha vida”, comentam outros. E eu confesso: tinha uma visão negativa das crianças, parecia que escolher tê-las era assinar o atestado de privação de sono e qualquer diversão do jeito que eu conhecia antes. Há até livros que enumeram motivos para não ter filhos e todos são plausíveis.
Se a sociedade é cruel com quem não quer ter filhos (há uma pressão imensa pela procriação, como descreve essa reportagem da revista Trip que li em 2011 e da qual lembro até hoje!), é maldosa também com quem quer ter: há algumas semanas, fez sucesso no mundo todo o Desafio da Maternidade – no qual as mães eram incentivadas a postar na internet fotos felizes com os filhos – e o desabafo de uma usuária sobre os perrengues que estava passando foi motivo de duras críticas. Tão maldosa que nos últimos anos, estados e municípios precisaram até regulamentar leis para que as mães possam amamentar em paz, distribuindo multas a estabelecimentos que proíbam o ato, tão natural (veja mais aqui e aqui). Não é óbvio que isso é absurdo?
Acredito que toda essa confusão é fruto de uma falsa impressão que se tem sobre os filhos. Parece que tem de ser divino ou que será horrível. Eles mudarão nossas vidas? Sim. Será maravilhoso e perfeito? Em alguns momentos (para mim, a maioria deles). Vai ter dias e noites de cansaço e comida jogada no chão? Com certeza absoluta. Então, partimos do princípio que ter filhos é bom e ruim, como tudo na vida. Sem maniqueísmos, pois já saímos do primário e não acreditamos mais em contos de fada.
Partimos do princípio que ter filhos é bom e ruim, como tudo na vida. Sem maniqueísmos, pois já saímos do primário e não acreditamos mais em contos de fada.
Por aqui, um misto de relógio biológico e instinto de preservação da espécie falou mais alto e veio o bebê. Afinal, Vinicius de Moraes já estabeleceu a questão central no poema “Enjoadinho”: “melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-los?”.
Mas não, ter um filho não é estar fadado a viver em um cenário de festa infantil, com personagens de desenho feitos de isopor em tamanho real, balões de gás hélio com cores gritantes e músicas do último filme de animação que foi sucesso de bilheteria (era essa a cena que meu inconsciente criava quando pensava em filhos). Ainda bem.
É maravilhoso sim, mesmo não sendo romântico e puramente alegre como a propaganda da tevê insinua. É um insano aprendizado diário sobre paciência, direitos e, principalmente, sobre pediatria.
Aprende-se, na prática, sobre humanidade. Sobre se despir de vaidades, rever prioridades e aceitar que a vida muda. Mas que essa mudança não é automática ou fácil. Diminua as expectativas, porque é difícil: é uma mudança guiada por você mesmo, que implica em ver que cada escolha que você faz tem um resultado prático.
Além da convivência com a nova pessoinha, é preciso girar todos os pratos para nenhum cair: o pai, ou a mãe, ou o cuidador, enfim, permanece sendo alguém com vontades próprias, que precisam ser adaptadas.
Malabarismo
Aqui em casa, fizemos a opção de continuar saindo com os amigos solteiros ou sem filhos, ir a shows, viajar, acampar, ver filmes, ler livros, estudar, acompanhar a série favorita, andar de bicicleta e aproveitar os 30 e poucos anos que temos. Tudo isso com uma criaturinha a tira colo, que desde bem pequena tentamos acostumar com o nosso ritmo.
A fim de alimentar as mentes maternas (e paternas), não teremos receitas nem conselhos. Neste espaço, semanalmente, vamos contar e discutir as desventuras de continuar de cuidar de um bebê enquanto nos adaptamos para aproveitar algumas experiências culturais que parecem impensáveis para quem está esperando ou tem um filho. Vamos desmistificar os extremos e aproveitar do jeito que dá, ou seja, do melhor jeito possível.
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