Leve, conciso e muito revelador: assim é o episódio do podcast Calma, Gente Horrível sobre maternidade compulsória (disponível abaixo), que se encaixa nesta coluna de cultura e maternidade – e que geralmente fala de produtos culturais para os pequenos –, por que pais e mães precisam refletir sobre seu lugar no mundo, na sociedade, no jogo desigual do patriarcado e o quanto isso impacta sua atuação com as crianças.
Eu nunca fui muito afeita às crianças ou tive muito traquejo com elas. Em geral, qualquer interação minha com os pequenos gerava choro (de ambas as partes) e eu nunca tinha trocado uma fralda até ter minha própria filha.
Eu amo minhas filhas e as oportunidades que a maternidade me trouxe. Foi só depois delas que aprendi a olhar para as crianças como os indivíduos que são (que merecem respeito, direitos, liberdade, educação, solidez emocional para se desenvolverem).
Senti na pele e aprendi a ver as mães como seres solitários e abandonados nas suas tarefas com as crianças, afinal, as famílias inteiras enxergam esse momento, de certo modo, como se tivesse um véu diante dos olhos de todos.
Esse véu torna a maternidade e a infância como se fosse tudo nebuloso e distante, pois não temos real contato com a forma como chegamos ao mundo, vamos jogando para debaixo do tapete as sujeiras da infância e todos estamos envoltos nessa névoa que tem muito consumismo, muito marketing, muita personagem de rede social e pouca vida real, pouco apoio, pouco ombro amigo.
É da ideia de criança que a sociedade gosta, é do vislumbre da criança que ainda está no mudo dentro da barriga da mãe.
A criança é linda enquanto não chora, não tem vontade próprias, enquanto está comprando, pedindo coisas, sendo bombardeada por propaganda desumanizante na tevê. A mãe é linda enquanto espera aquele bebê, aquela barriga que cresce e que é tratada como “pública”. É da ideia de criança que a sociedade gosta, é do vislumbre da criança que ainda está no mudo dentro da barriga da mãe.
Mas tem isso também
A maternidade exige coragem sempre mas, atualmente, exige mais ainda. Estamos sendo mãe em um momento sem precedentes, no meio de uma pandemia, convivendo com uma doença nova e ainda misteriosa, sem governo, sem muita esperança de possibilidades para o país.
As mães, na quarentena e no isolamento, estão enlouquecendo, adoecendo e, por estarem sozinhas, sobrecarregadas e assombradas pela “mãe perfeita do Instagram”, também adoecem seus filhos.
Não há assunto mais urgente e mais necessário que falar sobre as mães e as crianças, sobre quais possibilidades elas têm, sobre como poderão viver com mais tranquilidade, sobre como assistir infinitas horas de tevê e jantar macarrão e bala de goma é menos danoso do que o terror psicológico da rotina maravilhosa e que levar a criança no parquinho ou para qualquer outro lugar que garanta a sanidade familiar não pode ser bombardeado e julgado.
E, mais ainda
Todos os episódios deste podcast são recomendáveis, para as mulheres especialmente, mas esse episódio revela como a maternidade é um assunto que interessa a todas as mulheres, mesmo as que não são mães (afinal, elas são questionadas sobre isso constantemente).
Outro episódio que toca a questão da infância e, por consequência, da maternidade, é o que trata sobre crianças migrantes nos EUA. Em novembro do ano passado, outro episódio tratou sobre maternidade e o quanto a sociedade individualista e o culto da mãe perfeita dificulta uma maternidade livre e real.