Durante o último Festival de Curitiba, a Selvática Ações Artísticas apresentou seu espetáculo Cabaret Macchina, autointitulado “uma pos-ópera anti-edipiana”. Na ocasião, a peça foi apresentada na Praça Rui Barbosa, de forma gratuita, para todo mundo ver e se estranhar (mesmo).
Agora, a Selvática pretende levar sua obra para mais espaços públicos, explorando cantos, bancos e calçadas com sua trupe de performers corajosos. E tudo ainda sem custos para o público.
Recentemente, o Museu Municipal de Arte de Curitiba (MuMA) recebeu três noites de apresentações, e nós fomos conferir uma delas para trazer alguns detalhes, que você vê abaixo.
As próximas exibições estão marcadas para acontecer no Pátio da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, nos dias 5, 6, 26 e 27 de maio: nos sábados, às 21 horas; nos domingos, às 17.
Ser ou não ser, sem um tostão
O espetáculo da Selvática utiliza o espaço público para falar das crises do mundo real. É uma ode aos oprimidos pela contemporaneidade falida, fruto de longas épocas gerando heróis, personagens, nações que não deram conta de criar um tempo presente de bem-estar.
Entre tantas outras coisas, Cabaret Macchina é uma espécie de crítica aos corpos controlados e aos controladores, às instituições corruptas, aos políticos egoístas, à orgia entre o Estado e os interesses do mercado. É um apelo aos problemas óbvios que não se resolvem. Tudo isso, claro, feito de uma forma não muito tradicional.

Um pouco do que vimos
Usando roupas apertadas, vestidos extravagantes, acessórios de dominatrix, colares com lanternas, muletas e chapéus de pirata, os performers dão vida e fala a grandes personagens da literatura e da história ocidental. Surge um Hamlet falido, incompreendido, que perde sua caveira vermelha revestida de veludo.
Como dizem as vedetes: “não existe mais calor nenhum nos heróis brancos, eles estão desidratados”.
Os artistas são perigosos, exibicionistas, não valem nada. Uns berram com os outros, tachados de ameaças à segurança pública, à boa moral: toda semelhança desta encenação com os recentes casos de censura sofrida por performers no Brasil não é mera coincidência.

Entre tantas outras coisas, Cabaret Macchina é uma espécie de crítica aos corpos controlados e aos controladores, às instituições corruptas, aos políticos egoístas, à orgia entre o Estado e os interesses do mercado.
Caminhando, correndo e arrastando o público consigo de um lado para o outro, como máquinas os atores rapidamente criam situações e simulam cenários, usando pouco mais do que sua voz e ginga.
Do nada, por exemplo, surge um ringue de luta, onde dois tipos de nações disputam o cinturão: as donas da narrativa da Grande História e as que lutam por sua autonomia – a briga das geografias em colapso. Delas, surge a América como vencedora, depois de uma árdua briga em que sai como campeã aquela que assina mais papéis em cima de uma pequena mesa, literalmente. São os donos da burocracia.
Pode até não parecer, mas nada é aleatório neste espetáculo. Ironizando, apontando e tocando na ferida de tantos problemas da grande história ocidental, o Cabaret Macchina fala dos que lutam, que cruzam batalhas diárias, sofrem preconceitos, brigam por voz.
A mulher que se droga porque não aguenta mais, as histórias nacionais patrocinadas pelas bombas, as balas nas nucas das travestis que são consequência de “Deus dormindo em serviço”.
Depois, a mulher-máquina surge para superar tudo o que surge no seu caminho, e como deusa depôr os velhos peões, os opressores, expulsar os velhos heróis e fazer jorrar dos seus seios o leite mau “na cara dos caretas”.

E este é apenas o primeiro ato. No segundo, o Cabaré une suas vedetes numa apresentação musical com os instrumentos mais aleatórios possíveis, em que até faróis de carros fazem parte do cenário desta ópera, no maior estilo performático-musical-barulhento já conhecido por causa do grupo Fluxus.
O resto do espetáculo não cabe a nós contar, já que é interessante que você conheça por conta própria. Detalhes sobre as próximas apresentações, que acontecem no Pátio da Reitoria, podem ser conferidos na página do evento.
Acima de tudo, o Cabaret Macchina leva a arte para o espaço público. Seus atores levam a experiência de uma casa de performance famosa por sua originalidade para a rua mesmo, disponível para quem quiser ver e ouvir. Tudo, claro, sob a própria conta e risco.