Na rua Mateus Leme, em Curitiba, uma construção que há mais de um século existe ali, e já foi casa de um dos mais emblemáticos artistas do Paraná, recentemente mudou de cara.
O Museu Casa Alfredo Andersen passou por uma grande reforma. Mudou toda sua roupagem interna e externa, sua proposta de expografia e curatorial e até sua identidade visual. Basicamente, quem visita o museu agora vê algo completamente novo, mas que ainda mantém a história que foi criado para conservar.
No dia 7 de dezembro a instituição reabriu ao público com duas exposições: “Alfredo Andersen in situ/ em trânsito”, de caráter mais permanente e que oferece um panorama da produção do artista norueguês; e “A razão da Paisagem”, de Geórgia Kyriakakis, como exposição temporária.
Vamos contar um pouco das novas propostas do Museu e Casa Alfredo Andersen e como as novidades relacionam-se com o passado do artista e da própria instituição.
Andersen em casa
O que chama atenção ao caminhar pelas salas, especialmente no andar térreo, são as soluções aplicadas em estruturas modernas e funcionais que, na exposição retrospectiva, ajudam a contar a história que a curadoria propõe.
Uma delas, a primeira a ser percebida depois da entrada, é a vitrine suspensa que se estende por diversas salas do andar térreo. Mesmo que enorme, ela agrega ao espaço de forma discreta, sem ser invasiva dentro das outras salas expositivas.
Na exposição atual, os instrumentos de trabalho de Andersen se exibem na vitrine: pigmentos, paletas, lápis, bastões de giz, modelos. É bom lembrar que, antes da reforma, uma sala era utilizada no andar superior do museu para remontar o antigo ateliê do artista.
Outras estruturas também chamaram atenção, a exemplo da parede refletora com televisões embutidas. Nas telas, detalhes e informações preciosas sobre o trabalho de Alfredo.
No novo espaço do museu, a acessibilidade para deficientes visuais foi pensada através da instalação de sistemas de som que leem os textos das salas e etiquetas. Nada de fones de ouvido, apenas tubos metálicos que reproduzem as falas.
É visível a tentativa de preservar o lugar enquanto a casa que um dia foi, e também a necessidade de criar um espaço expositivo de características modernas. As parede que sustentam as obras são o maior exemplo disso: paredes falsas que permitem qualquer manipulação, qualquer furo, enquanto protegem a parede histórica que está por trás. Mesmo assim, permite-se ver um pouquinho do que ficou escondido por trás da superfície cinza.
In situ
De curadoria de Adolfo Montejo Navas e Eliane Prolink, a exposição “Alfredo Andersen: in situ/ em trânsito” se estende por todo o andar térreo e parte do primeiro andar do Museu. O nome da exposição refere-se à dupla condição de Andersen, de ser paranaense (in situ) e, ao mesmo tempo, um estrangeiro ainda muito ligado à velha pátria (em trânsito).
Olhando para diferentes aspectos e momentos da produção do artista, a exposição exibe parte de seu ofício, sua pesquisa, sua formação e seu cotidiano. E o mais interessante é como tudo isso é exibido para o público.
Os curadores aproveitaram a nova proposta de expografia e nomearam as salas de acordo com suas características de muitas décadas atrás, quando ainda era habitada por Andersen: “Sala 2 – Antiga sala de estar da casa”, “Sala 3 – Antigo quarto dos filhos”, “Sala 4 – Antiga cozinha”, e assim por diante.
O gênero de cada pintura em muitos momentos relaciona-se com a antiga função de cada ambiente. Na sala 2, por exemplo, as “obras em destaque”, do tipo que merecem a apreciação dos convidados que ficam na sala de estar. A sala 4, outrora cozinha, recebeu as “cenas de gênero, intimidade e fundo de quintal”, que são obras que falam do cotidiano.
O icônico “Entrada para Barra do Sul”, de 1930, que mostra o lado explorador da luz, possivelmente impressionista de Andersen, está entre os expostos (inclusive, na sala 2, salvo engano). Outro trabalho incrível, e que coloca Andersen em consonância com outros grandes nomes da arte brasileira daquele tempo, é “Duas Raças”, também de 1930.
Cortando a maior parte das salas do andar térreo está a vitrine suspensa contendo os itens de trabalho do velho mestre. Antigos pincéis, tintas e materiais de rascunho se colocam em contato com a produção.
Em trânsito
No andar superior está a sala ateliê, extensão temporária da exposição que inicia no andar abaixo. A sala era o local exato onde, décadas atrás, Andersen recebia seus alunos e amigos da arte, além de ser seu local de trabalho.
Nela, conhecemos outros aspectos da vida de Andersen como artista. Enquanto o andar térreo expõe seus trabalhos finais, este ambiente nos revela seu processo e, segundo os curadores, também a sua condição de artista estrangeiro.
O novo Museu Casa Alfredo Andersen parece justamente olhar para os vários momentos, facetas e investidas do artista que homenageia. Exibe-o como pesquisador, como capaz de alterar-se, não apenas como figura intocável.
Não à toa, na sala estão expostos esboços, fotografias da juventude, velhos livros e publicações que vieram de longe. Até registros de venda de obras é possível encontrar entre os documentos levantados.
Ali está exposto não apenas o Andersen produtor de grandes obras, mas também o profissional, o cidadão, o estudioso, o familiar.
Também estão expostos trabalhos que fizeram Andersen explorar seu gênio pesqusiador. São 4 pinturas de paisagens, o gênero principal utilizado pelo artista para estudar os efeitos da luz.
Dentre as pinturas está o famoso “Porto de Paranaguá”, de 1918, em que, segundo os curadores, “a neblina e a luz construída de brancos desmancham o horizonte e o próprio contorno retangular da tela…”
Novas paisagens
Uma das propostas que surge com o novo Museu é a de uma Sala Rotativa para realizar exposições temporárias com artistas contemporâneos que possuam uma produção que, de alguma forma, se relacionem com a prática de Andersen.
É daí que aparece a exposição “A razão da Paisagem”, de Geórgia Kyriakakis. Artista paulista, Geórgia explora em seus trabalhos a paisagem não apenas como uma questão de um lugar que está além, mas também como um problema físico, de quantidade, volume, deslocamento, balanço.
Fotografias e instalações fazem parte da mostra do trabalho da artista que ocupa uma sala não muito maior que 30 metros quadrados, preenchidas com 4 ou 5 obras.
Exibir trabalhos que tomam a paisagem como um problema a ser explorado é bastante interessante. Foi através do gênero da paisagem que, na pintura, Andersen estudou a fundo as possibilidades das técnicas, materiais e composições.
Com propostas assim, as produções de conectam e se referenciam. As obras de Andersen não ficam sendo um período passado, mas um ponto de contato com o presente.
Durante sua vida, Alfredo Andersen foi proclamado por muitos de seus alunos, admiradores e conterrâneos como o “pai da arte paranaense”.
Sem negar o quão importante foi a atuação do artista norueguês por aqui, a historiadora Maria José Justino (1995) diz que o título de “pai” não é totalmente justo, já que ignora “a travessia” do artista, seus anos e práticas de pesquisa.
O novo Museu Casa Alfredo Andersen parece justamente olhar para os vários momentos, facetas e investidas do artista que homenageia. Exibe-o como pesquisador, como capaz de alterar-se, não apenas como figura intocável.
Além de tudo, como instituição, parece querer localizar a produção de Andersen dentro do presente, relacionando-a com outras produções contemporâneas, sem esquecer do valor da sua história.
SERVIÇO | Museu Casa Alfredo Andersen
Quando: aberto de Terça a Sexta, das 9h – 18h; Sábado e Domingo, das 10h – 16h;
Onde: Rua Mateus Leme, 336, Curitiba/PR;
Quanto: Gratuito.