Eu e o futebol vivemos um caso de amor e ódio. Aqui é realmente entre tapas e beijos. Não sou um ferrenho crítico ao futebol moderno – que, inclusive, gerou um movimento organizado contrário à gourmetização do esporte bretão –, mas admito que tenho lá minhas ressalvas com certos aspectos que hoje dominam as quatro linhas e, principalmente, o que está fora delas.
Ser corinthiano é um elemento que dificulta ser alheio às canchas. Sem fazer qualquer espécie de comparação com outros clubes, é muito complicado transpor no papel o dia seguinte a uma derrota do alvinegro de Parque São Jorge, ou mesmo a alegria contagiante na manhã do dia posterior à conquista de um título, por menor expressão que tenha. O futebol é um dos poucos prazeres com culpa que carrego na alma, mas nossa relação foi sendo modificada com o tempo.
Provavelmente seja por conta dos inúmeros escândalos que volta e meia pipocam e tomam as manchetes dos jornais, e não apenas os de cunho esportivo. Manipulação de resultados, decisões suspeitas de árbitros e auxiliares, desvio de verbas públicas na construção de modernas arenas multiuso, violência dentro e fora de campo, o sumiço dos craques que passamos a ver apenas pela TV nos campeonatos europeus… São tantos fatores que prejudicam a relação do apaixonado com o futebol que, no fim, faltaria espaço nestas linhas que me cedem.
Esse acúmulo de problemáticas sem solucionáticas, apenas para citar o eterno Dadá Maravilha, gerou um desgaste a ponto de eu, um corinthiano forjado no gol de carrinho de Viola aos quatro minutos do primeiro tempo da prorrogação contra o Guarani de Campinas, no longínquo 1988, prefira assistir a um seriado às noites de quarta-feira, ou tomar um sorvete nas tardes de domingo, sem contar a camisa ostentando meu sobrenome e ano de nascimento às costas, que não sai do armário há um bom tempo.
Nestes momentos, em que o fanático diria que sou um torcedor de sofá (não que isso seja uma mentira desde que vivo em Curitiba), levo minha mente para um passeio em 1997. No dia do trabalhador daquele ano, o Corinthians foi a Campinas para disputar uma partida do Campeonato Paulista contra o Guarani. Sem conseguir ingresso para a cabeceira à esquerda da transmissão televisiva, lugar destinado aos torcedores do time alvinegro da capital, eu e meu pai sentamos nas numeradas, uma área mista abaixo do tobogã. Foi a última vez que fui a um estádio de futebol com meu pai.
Meu time ganhou a peleja e saímos crentes que aquele dia 1º de maio seria inesquecível. E realmente foi, mas menos pelo resultado e mais por terem nos assaltado.
O time era algo que passava longe dos sonhos de qualquer tocedor, ainda que Alberto Dualib, presidente à época, tivesse feito da contratação de Túlio Maravilha um forfé. Ronaldo Giovanelli, Rodrigo (depois Ayupe), Antônio Carlos, Henrique e Silvinho; Gilma Fubá, Fábio Augusto, Souza e Marcelinho Carioca; no comando de ataque, Mirandinha (depois Romerito) e Túlio (depois Romeu). Sentado no banco, o mesmo treinador do título do Brasileiro de 1990, Nelsinho Baptista.
Ainda no primeiro tempo, aos dezoito minutos, o Corinthians conseguiu armar um bom ataque. Mirandinha correu pela lateral esquerda e alcançou uma bola praticamente perdida na linha de fundo. Seu cruzamento encontrou o inexpressivo Souza, que no ano seguinte seria vendido ao São Paulo. Ostentando a camisa 10 da equipe, o meia dominou na meia-lua da área e de meia-bicicleta acertou o canto esquerdo do gol de Hiran, goleiro do time alviverde de Campinas. Explosão. Alegria. Felicidade.
Meu time ganhou a peleja e saímos crentes que aquele dia 1º de maio seria inesquecível. E realmente foi, mas menos pelo resultado e mais por terem nos assaltado e arrancado de mim, não sem resistência do meu pai, minha camisa número 10 do Corinthians. Desde então, vivemos, eu e o futebol, um caso de amor e ódio. Mas sempre retorno a esse dia. Ele me faz recordar que o balé em campo, como espetáculo, é lindo, marcante, emocionante; que o futebol é maior que a religião, que não é o ópio do povo, mas, sim, a fuga de uma realidade em que, geralmente, o povo e a festa são os que menos importam – e estão sempre na corda bamba.