Dia desses, Dilma virou notícia não pelo processo de impeachment, nem pelas pedaladas fiscais ou qualquer coisa relacionada à política. A manchete de um veículo de comunicação publicava uma foto da ex-presidente fazendo compras, literalmente na “fila do pão”.
O acontecimento, digno de questionamentos de seu valor notícia, tinha lá sua curiosidade. Para além de nosso binarismo político, lá estava a mulher que comandou um dos maiores países do globo terrestre, e ela estava na “fila do pão”, assim como eu e você.
Do dia para a noite, Dilma Vana passou a ser mais uma ilustre personagem do cotidiano de muitos porto-alegrenses, inclusive dos que degladiam com seus carrinhos de supermercado através dos corredores repletos de gôndolas.
É inimaginável pensar Dilma escrevendo em um bloco ‘um pacote de arroz, um quilo de carne e, se o dinheiro deixar, um pacote de Trakinas sabor morango’.
Ainda que de uma inutilidade jornalística comum nos dias de hoje, chamou a atenção como nos relacionamos com as “celebridades”, sejam políticas e/ou culturais do país. Raramente as imaginamos fazendo listas de necessidades da casa. É inimaginável pensar Dilma escrevendo em um bloco “um pacote de arroz, um quilo de carne e, se o dinheiro deixar, um pacote de Trakinas sabor morango”. Não entra na cabeça que possam ser “gente como a gente”.
Nesta semana foi a minha vez de encontrar uma celebridade parada na “fila do pão”. Entre sacolas com maçãs, bananas, uma garrafa de água com gás e um pacote de queijo ralado – nossas compras dizem muito sobre nossa personalidade, reza a lenda –, levanto a cabeça e vejo Cristovão Tezza fazendo suas compras. A mente entrou em choque. “Como assim ele não está escrevendo uma crônica neste exato momento?”. Fiquei petrificado.
Como bom bisbilhoteiro, ainda que eu prefira o termo “voyeur não-sexual”, pescocei sua cesta de compras procurando itens que aproximassem este mero mortal do autor de O Filho Eterno. A única coisa que consegui enxergar foi uma dupla de detergentes neutros, mas não gravei a marca. Eu podia ter dito “oi”, podia ter pedido um abraço, tirado uma foto e pedido um autógrafo. Mas ali, naquele instante, só me veio à cabeça: “será que ele viu a promoção do contrafilé?”. Fica a pergunta.