Entrou em casa. A família estava sentada no sofá, abaixo de uma faixa com os dizeres: “Intervenção familiar”.
– Mas que porra é essa?
– Uma intervenção.
– De onde vocês tiraram isso?
– De um programa de TV. Pode sentar, por favor.
Sentou no outro sofá, de frente para os familiares. A mãe começou a falar por todos:
– Minha filha querida, eu, seu pai e seus irmãos nos reunimos aqui hoje para falar sobre a sua saúde.
– Mas eu tô bem.
– A saúde mental.
– Tá bem, também. Não é aquelas coisas, mas dá pro gasto.
– Nós sabemos que você não está bem.
Pegou o celular.
– Meu Deus, mas eu tô! Que loucura!
– Nós sabemos que você está muito deprimida e achamos que pode ser culpa daquela Netflix que você assiste, é muito tempo sozinha. Você precisa de ajuda e estamos aqui para isso.
– Eu não estou deprimida! Socorro! Pai, fala alguma coisa.
– Seu pai não vai falar, eu estou falando por todos. Vou ler aqui alguns posts que você fez na última semana e nos deixaram em alerta.
– Mãe do céu, você não está fazendo isso.
– Primeiro, “queria estar morta”. Depois…
– Mãe, parou!
– Ainda não terminei, espere a sua vez. Uns dias depois, você postou um pano de prato de gatinho, escrito “as minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e noite”.
– Mas eu tô bem.
– A saúde mental.
– Tá bem, também. Não é aquelas coisas, mas dá pro gasto.
A filha começou a gargalhar.
– Eu vou morrer!
– Viu? De novo.
– De rir, mãe, de rir!
– Não tem graça, filha. Queremos ajudar. Achamos que podem ser as companhias também, seus amigos estão postando coisas desse tipo pra você. Ontem o Gilberto marcou você num negócio escrito “quando você tenta dar sentido para a sua existência e descobre que é mais inútil do que pensava”.
– Mãe, como eu vou explicar isso pra você?
– Não precisa explicar pra mim, eu vou marcar um médico.
– Não! Eu não preciso ir no médico, isso são memes.
– Que memes, menina?
– São coisas populares na internet.
– Não entendi.
– É zoeira, entendeu?
– Não.
Levantou do sofá e foi caminhando para o quarto, rindo.
– Deixa pra lá, é coisa de internet.
Foi a última coisa que falou antes da mãe arremessar o chinelo.