Não se falavam desde a época do colégio, o que transformou a amizade em algumas curtidas nas redes sociais e nada além disso. Mas aquele encontro inusitado na Estação da Luz foi bom para relembrar os bons tempos por alguns segundos.
– Pô, foi ótimo ver você.
– A gente precisa colocar o papo em dia, Helô.
– Sim, vamos marcar.
– Vamos, vamos marcar. Quer ir hoje no Boteco do Bode?
Heloísa arregalou os olhos. Aquela pergunta ia contra as leis naturais – não por se tratar de um boteco cujo proprietário era um bode, afinal, os bodes são livres para fazer o que quiserem, inclusive para empreender. O problema é que depois de “vamos marcar”, a clássica frase que encerra as conversas com pessoas que nunca mais vão se ver na vida, as pessoas não devem sugerir dias e lugares para futuros encontros – justamente porque já está definido que elas nunca mais vão se ver na vida.
– Porra, Bia…
– O que foi, Helô? Tá tudo bem?
– Beatriz, você não entendeu. Eu falei “vamos marcar”.
– Sim, eu entendi. Por isso eu sugeri um lugar pra gente ir hoje.
– Não. Foi um “vamos marcar”, entendeu?
– Entendi. E sugeri um bar legal.
– Não, Beatriz…
– Você não gosta do Boteco do Bode, é isso?
– Não, nada contra botecos e bodes em geral, até gosto.
– Então?
O problema é que depois de ‘vamos marcar’, a clássica frase que encerra as conversas com pessoas que nunca mais vão se ver na vida, as pessoas não devem sugerir dias e lugares para futuros encontros – justamente porque já está definido que elas nunca mais vão se ver na vida.
– Olha, Bia, eu não sei como falar isso de um jeito menos chato.
– Só fale logo, eu preciso ir trabalhar.
Heloísa juntou as duas mãos atrás da cabeça, fazendo um alongamento com o pescoço. Depois, segurou no ombro de Beatriz e lançou um olhar de tristeza.
– Beatriz, a gente nunca mais vai se ver.
– Credo! O que eu fiz pra você?
– Nada. Mas não adianta lutar contra a natureza, a gente nunca mais vai se ver. Eu sei disso e, no fundo, você também sabe.
– Que horror, Heloísa.
– Presta atenção: a gente se formou no colégio há dez anos. Desde então, quantas vezes a gente se viu, tirando hoje?
– Nenhuma.
– Nenhuma! Exatamente.
– E daí?
– E daí que foi um momento único, não vai mais acontecer. E por isso eu falei “vamos marcar”, para encerrar a conversa de um jeito bacana, com você sabendo que eu até gostaria de vê-la novamente um dia.
– Mas você não gostaria?
– Gostaria.
– Então é só marcar!
– Não adianta marcar porque não vai acontecer. Simplesmente não vai, estou sendo realista aqui. Na data você vai pegar chikungunya ou um golpe militar vai obrigar todo mundo a ficar em casa, não dá pra saber o que vai acontecer, mas vai.
– Tá bom, não vou discutir.
Beatriz ficou olhando para o chão com aquela cara que a gente fica quando alguém fala que vai chover e a gente não lembra se tirou o edredom do varal.
– Mas foi muito bom ver você, de verdade.
– Também gostei de ver você, Helô. Agora deixa eu ir pro trabalho antes que eu me atrase ainda mais.
– Vai lá, foi um prazer. Vamos marcar alguma coisa.