É dia de mudança, afinal. Até que ficamos bastante tempo aqui – todos os meus treze anos. Moramos em uma região alta, com ventos fortes, coisa que de vez em quando faz com que a nossa casa seja destelhada. Também as árvores costumam derrubar os seus galhos por toda parte. Outro dia, caiu um em cima da nossa antena parabólica. Minha mãe não suporta mais passar por isso. Quando o vento fica forte demais, ela tem medo do que pode acontecer. E faz uma simpatia para mandar a tempestade embora, algo que eu nunca entendi bem, mas que consiste em uma cruz feita de farinha em cima da mesa. Ficamos apreensivos dentro de casa, enquanto lá fora venta, chove, troveja.
Mas não mais, pois hoje mesmo nos mudamos. Acho que vai demorar um pouco até eu me acostumar, já que nunca saí daqui. Conheço toda a vizinhança. Ultimamente vieram alguns vizinhos novos que eu não conheço tão bem, mas por aqui sempre estiveram os meus amigos. Do outro lado da rua, o meu melhor amigo. É verdade que nós não temos conversado já há algum tempo. Estou me mudando daqui e ainda não fiz as pazes com ele. A gente brigou, mas nem sei exatamente o que houve. Sei apenas que um dia eu não fui mais à sua casa, ele não foi mais à minha, e fomos repetindo isso ao longo dos dias, até que nos acostumamos com a situação. Bom amigo, lembrarei de você neste lugar.
“Hoje mesmo nos mudamos. Acho que vai demorar um pouco até eu me acostumar, já que nunca saí daqui.”
Tenho passado a maior parte do tempo sozinho mesmo. Isto é, ultimamente eu arrumei um cachorro. A gente nunca teve um cachorro, mas eu arrumei o cachorro do vizinho para mim. É um vira-lata pequeno, criança ainda, todo branco. Mora na casa ao lado, onde, supostamente, deveria estar preso ou amarrado – na pior das hipóteses deveria estar solto, mas no terreno do vizinho, e não no nosso. Mas não tem um dia que aquele cachorro não escape e venha até a nossa casa. Eu aproveito essas ocasiões para brincar com ele, porque é realmente um cachorro muito divertido para se brincar. Até basquete nós jogamos. É um ótimo companheiro. Agora há pouco, brinquei com ele pela última vez. A gente vai se mudar e eu vou perder o meu amigo de quatro patas. Paciência.
Sou meio bobo e por isso fico pensando em todas as coisas que estou fazendo pela última vez nessa casa. Fui tomar banho e me dei conta disso: era a última vez que eu estava tomando banho ali. Isso nem quer dizer muita coisa, eu nunca tive nenhum afeto pelo chuveiro de casa, mas foi algo que realmente me emocionou. Deu até uma vontade de chorar, ali mesmo. Não sei bem o motivo. Um pouco era mesmo saudade, mas outro tanto era vontade de sentir mais saudade. Alguma coisa deve mudar em mim junto com essa mudança. Afinal, eu estou saindo do lugar da minha infância. Acho que todas essas coisas juntas é que me deram vontade de chorar – e eu não me fiz de rogado.
Enfim. Meu pai já está me chamando. Tenho que ajudar a levar coisas para o caminhão. As coisas pequenas, claro. As minhas coisas de criança estão subindo naquele caminhão também. Onde vamos deixá-las? Elas só fazem sentido aqui, nesta casa. Mas tudo bem. Vou aproveitar ao máximo as coisas que ainda farei aqui pela última vez. Talvez eu queira guardar bem na memória. Um dia, quem sabe eu até escreva algo sobre isso.