Seis anos estive em Brasília e por seis anos não pude enxergar nada pela janela do meu quarto. Ora, eu alugava um quartinho nos fundos de uma casa, e tudo o que conseguia ver pela janela era a garagem. Via lá o carro da Dona Lúcia, e apenas quando ela saia e abria o portão é que eu podia ter uma ideia de como estava o tempo lá fora. Era preciso sair de casa para descobrir se tinha sol ou se ameaçava chover. A chuva, essa eu ainda escutava bater no telhado. Mas, de resto, só de lado de fora de casa é que eu sabia de que maneira se comportava o clima. Não podia ver, da janela do meu quarto, o céu de Brasília, esse céu incrivelmente estrelado que lá se exibe toda noite. Não havia, em suma, nada que pudesse interessar do lado de fora do meu quarto, e então eu me fechava dentro dele, eu me fechava dentro de mim mesmo.
Bem, seis anos durou essa provação, até o dia em que, sem ter mais quem me pagasse em Brasília, eu voltei à casa da minha mãe em Curitiba, voltei ao quarto na casa da minha mãe em Curitiba, o quarto com janela de verdade. Na verdade é apartamento, e não casa, mas fica no térreo, e tem muito verde em volta, muito mais verde do que se considera possível em um condomínio da cidade grande. E o principal é que a minha janela se abre para todo esse verde.
Vou até o peitoril da janela e contemplo, meio abobado, a minha nova realidade. Minha cama tem a cabeceira voltada para essa parede com a janela. É apenas uma fina parede que separa meu travesseiro da grama, do mato, das plantas, da terra – e da vida. Formigas, besouros, e bichinhos menores ainda, que eu nem sei o nome, andam tranquilamente a alguns centímetros da minha cama. Essa parte do prédio é especialmente visitada pelos pássaros também, tem gente que joga lá de cima comida para os pássaros, e então eles vêm, andam para lá e para cá, e eu posso ver tudo isso da janela do meu próprio quarto…
Sem falar em lagartos. Outro dia eu fui olhar para fora e dei de cara com um lagartão. Era um bicho lindo e eu gastei alguns minutos a admirá-lo. Tem sempre uns cachorros que passam por aqui também, uns cachorros que não são de nenhum morador, simplesmente passam pela cerca e entram aqui no condomínio – também eles eu posso ver, e eventualmente até interagir, sem tirar os pés de casa. E crianças, crianças passam correndo por aqui todo o tempo.
Esticando os olhos, eu posso ver árvores muito grandes, entre elas algumas araucárias. Essas árvores já não estão nos domínios do prédio, mas isso pouco importa, ainda estão ao alcance da janela e dos meus olhos. E eu as vejo balançar, e por meio delas posso até saber em que pé está o vento, quando quero sair. O vento, na verdade, eu sinto só em ficar na janela, sempre vem uma brisa que me atinge e me renova.
Não quero parecer exibido, mas o que fazer se a Lua Cheia passa pela fatia de céu que é vista do meu quarto?
Não quero parecer exibido, mas o que fazer se a Lua Cheia passa pela fatia de céu que é vista do meu quarto? Entre nove e dez da noite ela aparece, com o mesmo esplendor, causando o mesmo espanto. Esse céu de Curitiba não é tão bom quanto o de Brasília, mas se não está nublado, se é possível ver estrelas de algum lugar da cidade, também será do meu quarto. Posso nomeá-las se quiser, posso apontar o celular para elas e pesquisar sua história, seus detalhes, sem nem ao menos precisar sentir o frio que faz lá fora.
Dia desses – não sei se conto… Dia desses eu vi daqui do conforto do meu quarto a passagem da Estação Espacial Internacional pelo céu de Curitiba. Foi bem rapidinho, afinal o negócio é rápido, anda bem mais que um avião, mas eu vi daqui, pude até dar um tchauzinho para os astronautas. Muita coisa mudou desde que deixei Brasília, perdi o emprego e até agora não achei, mas janela, ah, habemus janela.