Eu aprendi a odiar Ivone muito tempo antes de nos conhecermos. Já havia até mesmo me juntado à turma que a chamava de Vilone, trocadilho tirado de uma vilã de novela. Pois era uma vilã, a Ivone. Mas acho que ela nunca ficou sabendo desse apelido. Eu sabia que ela existia por meio de uma amiga que trabalhava com ela. As informações que chegavam até mim não eram muito animadoras. Ivone passava o dia inteiro falando de si no trabalho. Todo mundo concentrado na frente do computador, e ela lá, lembrando a todos de como era desejada pelos homens e de como era luxuosa a vida que levava.
Ela era, de fato, muito bonita, e imagino que levasse mesmo algumas das cantadas de que se vangloriava. Também parecia manter mesmo um alto padrão de vida, a ponto de se dizer, sobre ela, que nunca havia repetido uma roupa. Mas era insuportável à minha amiga, que era de origem bastante humilde, passar o dia inteiro ouvindo o panegírico das conquistas de Ivone. Isso quando Ivone não começava a falar dos seus sofrimentos. Ah, com que orgulho ela não falava dos seus sofrimentos como mulher que havia acabado de se separar e tinha um filho pequeno para cuidar! Minha amiga já começava a nutrir pensamentos homicidas. Eu gostava muito dessa minha amiga e, por isso, também passei a odiar um pouco Vilone.
Todo mundo concentrado na frente do computador, e ela lá, lembrando a todos de como era desejada pelos homens e de como era luxuosa a vida que levava.
O mundo dá voltas e, algum tempo depois, era eu quem devia trabalhar ao lado de Ivone. A imagem terrível que eu já havia formado dela sofreu certo abalo quando me deparei com uma mulher extremamente simpática e sorridente. Ela realmente falava muito durante o trabalho, se enaltecia mais do que seria aceitável e exagerava as suas angústias para atrair a compaixão alheia. Mas ela também me ajudou quando eu precisava aprender, e um dia se ofereceu para me levar de carro a uma exposição que ficava longe. Acabei me acostumando com as suas conversas e os seus vestidos, sempre no apuro da moda.
Um dia ela não quis acompanhar uma reunião de trabalho na antiga rodoferroviária de Brasília. Ela nunca havia estado lá, pois também nem andava de ônibus, e o lugar lhe parecia pouco seguro – e, provavelmente, pobre demais. Esse já era um sinal da insatisfação que ela sentia com o trabalho, que iria crescer, até o dia que explodiu.
Foi em uma reunião da nossa equipe que ela colocou para fora tudo o que sentia. Ela não gostava do nosso silêncio, reclamava que passávamos a manhã inteira calados diante do computador. Queria uma sala mais viva. Sugeriu pintar as paredes, colocar umas cores, não deixar só aquele branco. Até então, ela dizia essas coisas sorrindo. Depois da reunião ela continuou conversando sozinha com a chefe, e foi aí que se exaltou. Disse que ninguém gostava de trabalhar lá, questionou a autoridade, relembrou injustiças, falou que todos estavam contra ela.
Na ocasião eu já havia saído para o almoço e tomado o propósito de tornar um pouco mais tolerável o ambiente de trabalho para ela. Mas não consegui, pois ela foi demitida. Por algum tempo, ela continuou a ser lembrada entre nós, sempre com zombaria. Devo ser o único que guarda dela uma imagem boa – sorridente e ansiosa pelo amor dos outros. A mim ela não engana: quem sorri daquele jeito não pode ser vilã de verdade.