Imaginem vocês que na semana passada eu estava indo almoçar. Faço isso todos os dias. Mais: eu preciso fazer isso todos os dias. Acredito que eu não seja o único. E vejam só que felicidade: até hoje nunca houve um dia em que me faltasse dinheiro para almoçar. É verdade que nunca são grandes almoços, e na maioria das vezes eu como menos do que gostaria, obrigado que sou a controlar o peso do meu prato no restaurante, mas, vá lá: nunca me faltou o que comer.
Pois bem. Eu estava indo almoçar naquele dia e, de repente, se aproxima de mim um sujeito relativamente jovem, loiro, baixo, meio sujo e mal vestido – enfim, um sujeito daqueles que a gente vê e tem vontade de atravessar a rua. Era o que eu teria feito, se não desse tão na vista que eu estaria fugindo do sujeito. Adotei uma reação intermediária: dei atenção a ele, mas não parei de caminhar, querendo com isso, evidentemente, fazê-lo desistir de sua abordagem.
Mas aí aconteceu o extraordinário. O sujeito, sabe-se lá por qual motivo, achou por bem dizer que vinha do Paraná. Bolas, eu venho do Paraná. Há gente de todos os estados em Brasília, mas raramente eu encontro alguém que venha do Paraná. E ele disse mais, disse que não apenas vinha do Paraná, mas de Curitiba. Perguntou se por acaso eu conhecia. Logo eu, que sou tão curitibano quanto o Ligeirinho, o Jardim Botânico, o cachorro-quente de duas vinas.
É claro, ele estava apenas tentando puxar assunto comigo, enquanto contava a história de sua vida, para, ao final de tudo, lançar o indefectível pedido de dinheiro. Mas era uma coincidência enorme que, em meio a dois milhões de brasilienses, ele viesse com esse papo justamente para cima de mim. O sujeito mesmo se espantou quando me limitei a responder: “Conheço”. E, como ele pedisse uma confirmação, tive que explicar, não sem certa modéstia: “Morei lá”.
Era uma coincidência enorme que, em meio a dois milhões de brasilienses, ele viesse com esse papo justamente para cima de mim.
Aí foi que ele se animou, pois, afinal, estava falando com um conterrâneo, e contou que era lá de Santa Felicidade, o bairro italiano: “Santa Felicidade, Madalosso, saca?”. Eu sacava: este é o restaurante mais tradicional do lugar. E só então começou a contar uma história dramática qualquer, para justificar o fato de estar na rua. Não prestei muita atenção, primeiro porque já havia ouvido muitas histórias parecidas, e segundo porque eu já estava decidido a ajudá-lo.
Mas não foi dinheiro que ele pediu, e sim uma marmita de cinco contos. É incrível, mas essa necessidade de almoçar atinge até mesmo quem mora na rua. Aquele sujeito precisava comer todos os dias, seja em Curitiba ou em Brasília, nem que fosse apenas uma marmita, porque, infelizmente, não está em condições de fazer as suas refeições em um restaurante como o Madalosso. Só que mesmo uma marmita custa cinco contos, um dinheiro que ele não tinha.
Sei que há por aí toda uma campanha para não dar esmola, para não sustentar ninguém que não tenha dado o sangue para ganhar o seu próprio dinheirinho, mas, que droga, aquele era um mendigo da minha terra. Que pelo menos as questões geográficas possam servir para que nos consideremos próximos e semelhantes a um morador de rua – já que, aparentemente, não consideramos sequer que eles compartilham da mesma natureza e espécie que nós.