Se um dia alguém resolver organizar todas as minhas crônicas, espalhadas em sites, jornais e gavetas, e fazer uma espécie de análise temática, ficará admirado com a insistência dos assuntos nascidos dentro de um ônibus. Mais imaturo, eu cheguei até mesmo a escrever uma crônica chamada “O essencial é andar de ônibus”, na qual eu mostrava que, sem a sua existência, era impossível acreditar na felicidade e na democracia de uma nação. Era um texto exagerado, e eu estava entusiasmado com uma moça que havia encontrado dentro de um deles. De lá pra cá, escrevi muita coisa, provavelmente melhor, mas volta e meia eu ainda falo dos ônibus.
Nem sempre eu tenho culpa. Há muitas ocasiões em que não estou procurando assunto algum para escrever, mas então um tema é repentinamente jogado sobre o meu colo, e a única saída para me livrar dele é escrevê-lo. Foi assim na semana passada, quando mais uma vez eu, cronista sem carro, andava de ônibus. Havia em um banco ao meu lado uma mulher, sozinha, que lia algum livro – e se não descrevo nem a mulher e nem o livro é porque não consegui identificá-los. Sei apenas que lia, enquanto que eu, ao seu lado, estava com as ideias soltas, procurando algum pensamento que merecesse ser pensado. E então começou.
A mulher desandou a chorar. E chorava com tudo que tinha direito, incluindo soluços e nariz assoado. Tentava se segurar e não conseguia. Nós, os passageiros, apenas olhávamos, perplexos, sem entender o motivo de tanta lágrima. Sabemos que as pessoas costumam chorar, mas não estamos acostumados a que façam isso sozinhas dentro de um ônibus, sem razão aparente. Verdade é que nenhum de nós foi até ela perguntar o que havia acontecido de tão triste. Ah, mas como era triste, seja lá o que tenha sido! Era digno de nota o esforço que fazia para se controlar – e fazia esse esforço, que fique claro, por nossa culpa. Estávamos lá impedindo que ela chorasse à vontade, até o limite das suas forças. E assim mesmo, seguiu-se a viagem. Era angustiante.
“A mulher desandou a chorar. E chorava com tudo que tinha direito, incluindo soluços e nariz assoado.”
Mas veio então um vendedor de balinha. São frequentadores assíduos dos ônibus de Brasília. É gente que precisa de dinheiro, e então compra um produto qualquer e vende um pouco mais caro nos ônibus. Pois o vendedor de balinha, insensível, não viu que ela chorava e quis oferecer um tablete de Halls para a mulher. Ela recusou, e continuou chorando, embora mais fraco. O vendedor ficou parado perto dela, e então deve ter percebido. Não havia conseguido vender muita coisa naquele ônibus, e não devia ter vendido muito naquele dia. Mas aquela era uma situação especial. E, vendo o seu choro, ele estendeu mais uma vez o tablete para a mulher, agora oferecendo, de graça mesmo.
Mas ela tornou a recusar. E escondeu o seu rosto com as mãos. Como a tentativa não havia dado certo, o vendedor de balinha se viu obrigado a fazer a pergunta que ninguém ainda havia tido sensibilidade de fazer: “Mas por que você está chorando?”. Foi uma pergunta inútil, porque ela não disse nada. Em seguida, a mulher voltou a tirar o livro de sua bolsa. Leu alguma coisa que deu novo ânimo às suas lágrimas. Guardou mais uma vez. E assim ficamos todos nós: ela sentada, chorando, o vendedor de balinhas em pé, aflito, e eu do outro lado, observando, sem saber o que fazer.