Às vezes é Natal quando não devia, quando a gente não queria que fosse. Comemorar, comemorar o quê, se estamos presos a um leito de hospital? Mas o Natal sempre vem, não importam as circunstâncias da nossa vida, e então é preciso, pelo menos, torná-lo um pouco mais suportável. Há por aí meia dúzia de pessoas que, nessa época, costuma se lembrar do Natal dos outros. São músicos, são artistas, palhaços, pessoas que se reúnem para visitar gente doente que estará internada durante a sua noite feliz. Cantarão músicas, farão piadas, entregarão alguns brinquedos, e tudo isso fará com que os doentes se esqueçam, por um pouco que seja, da sua luta contra a morte.
Acompanhei a muitas dessas visitas no ano em que trabalhei em hospital. Eu era o fotógrafo, o cara responsável por provar que aquilo acontecia de fato, não era conto da carochinha, realmente ainda havia no mundo pessoas que faziam algo pelos outros sem esperar nada em troca. Guardei algumas dessas fotos para que eu mesmo me convencesse. Por meio delas eu posso me lembrar de um senhorzinho de cadeira de rodas, vestindo um daqueles roupões de hospital, às lágrimas enquanto ouvia as canções de Natal que uma mulher tocava ao violão para os doentes da sua ala. O homem é amparado por aquela que imagino ser a sua esposa. Ela está serena, mas não é difícil de imaginar que aquela família sofre. Que recordações, que lembranças não terão sido evocadas por aquelas músicas, pela artista que emprestava um pouco do seu tempo a quem já não podia viver normalmente.
A foto pega artista, paciente e esposa, ele com uma das mãos a enxugar uma lágrima. Eu devo ter achado que daria uma boa composição, como deu, de fato, mas também uma bem triste. Nem saiu no jornal, nem podia sair, só se eu tivesse ido falar com eles, pedido autorização, mas isso seria invasivo, eu também não queria expor aquela emoção. Guardei comigo e, ainda hoje, ela me toca de algum modo.
Há muitas alas em um hospital público, e não se pode visitar todas de uma vez, então, durante um Natal, é preciso que apareçam grupos suficientes de abnegados para dar conta de todos os internados. Principalmente para as crianças, pois, oh, meu Deus, também crianças passam o Natal internadas. Ali se arruma um Papai Noel e a alegria está garantida. Eu tenho sérias divergências com o Papai Noel. Gosto do Natal, mas não suporto o bom velhinho – coloco sobre ele a culpa de tudo o que o Natal se tornou. Mas eu o perdôo quando visita crianças no hospital.
Gosto do Natal, mas não suporto o bom velhinho – coloco sobre ele a culpa de tudo o que o Natal se tornou. Mas eu o perdoo quando visita crianças no hospital.
Papai Noel causava furor entre as crianças do setor de neuropediatria do hospital. As crianças dali não estavam internadas, apenas vinham se consultar, mas que ninguém diga que não havia sofrimento ali. E o que me comoveu foi uma menina, dos seus sete ou oito anos, toda retraída, sem participar da alegria geral. Não era medo do Papai Noel, ou não apenas, tinha a ver com o problema que ela estava tratando ali. Ela parecia olhar ao redor sem entender aquilo que se passava. Vestia uma blusa rosa com estampa de um sorridente Garfield, e eu vi nela todo o amor de sua mãe. Essa, incentivava, todos incentivavam, e a minha foto flagra o momento em que ela aperta a mão do Papai Noel, ainda vacilante e achando tudo muito estranho. Também entrou na imagem o olhar cheio de delicadeza e apoio de uma amiguinha dela – de outra criança que havia ido se consultar ali.
Essa foto me entristece, fico me questionando que tipo de mundo é esse em que crianças precisam passar por problemas neurológicos, psicológicos, seja o que for, e não podem aproveitar o Natal. Não, não devia haver Natal até que aquela menina conseguisse sorrir. Mas ele sempre vem, todo ano. É Natal todos os anos no hospital. E só há por aí meia dúzia de pessoas que costuma se lembrar do Natal dos outros.