Nessa época de extremos em que vivemos, já não há espaço para o meio termo, já não se tolera a menor tentativa de contemporização – quem cair no engano de relativizar uma atitude reconhecidamente má será instantaneamente acusado de “passador de pano”, um status do qual dificilmente irá se livrar.
Estou atento a essa realidade, mas, também, um tanto preocupado, pois tenho para mim que, se a discussão se ativer a termos tão absolutos, não terei chance de me salvar. Afinal, estou bem longe de ter o padrão moral exigido pelas redes sociais. Pensando a respeito, achei melhor confessar ao menos alguns dos meus desvios de conduta, na esperança de assim conseguir, talvez, maior clemência dos julgadores. É o meu desejo, confesso, que passem pano para mim.
Achei melhor confessar ao menos alguns dos meus desvios de conduta, na esperança de assim conseguir, talvez, maior clemência dos julgadores. É o meu desejo, confesso, que passem pano para mim.
Os meus problemas de caráter tiveram início não muito tempo depois de nascer. Em determinada ocasião, aprendi que chorar fazia com que os meus pais me cumulassem de atenção. Não demorou até que eu passasse a simular choro, sem motivo algum, tão somente para que fizessem as minhas vontades.
Talvez isso pareça uma coisa leve e que todo mundo faz, mas aí já estava lançada a semente para mentiras futuras, nem todas tão comuns assim. Aos meus oito anos de idade, por exemplo, eu falsifiquei a assinatura da minha mãe em uma advertência que a escola havia me dado. Era uma imitação grosseira que, naturalmente, logo foi descoberta. Ah, convém citar também o motivo dessa advertência: junto com alguns colegas, eu havia chutado uma lata de lixo no pátio da escola. Ato de delinquente, bem se vê.
Se é verdade que sofri bullying, não é menos verdade que também o pratiquei. Chamei colegas de apelidos que eles não gostavam, debochei dos que conseguiam parecer ainda mais fracos do que eu. Muitas vezes, eu tirava o boné de um colega e saía correndo com ele. Professores me trocaram de lugar porque eu, logo eu, estava conversando demais. Já mais crescido, passei a ouvir música escondido na sala. Nas aulas de Filosofia, havia uma guerra de bolinhas de papel na qual eu sempre tomava parte.
Em casa, muitas vezes respondia mal os meus pais. Às vezes, tinha umas crises e saía batendo porta e chutando o que estivesse pela frente. Até pode ser que isso seja típico da idade. Já adulto, porém, ainda cometi e cometo uma série de atitudes censuráveis.
Eu já fiz uma mulher chorar – se for pensar bem, pouca coisa é mais grave do que isso, ao menos para quem não costuma matar ou roubar. Chorou a mulher de tanto que eu fiz e falei. Porque eu já fiz e falei muita coisa estúpida a que só se poderia reagir com o choro mesmo. Já iniciei discussões inúteis, já trouxe à tona assuntos superados, já distorci as falas só porque me era conveniente, já me fiz de bastante ofendido quando nem estava tanto assim, e somente porque isso me colocaria em uma posição melhor.
A ironia, o deboche, o sarcasmo, o apelo ao ridículo, tudo isso eu já usei contra pessoas que não mereciam, contra pessoas inocentes, contra pessoas bem-intencionadas, apenas porque eu fazia questão de que a minha opinião prevalecesse e não poderia admitir que alguém chegasse à conclusão contrária. Já fui muitas vezes injusto, frequentemente egoísta, quase sempre orgulhoso. Já afastei de mim pessoas queridas e disse comigo mesmo que não importava.
Sim, também desejei a mulher do próximo, e nem se diga que apenas desejar é muito melhor do que por em prática, pois não está dito também que qualquer que olhar para uma mulher para cobiçá-la já cometeu adultério com ela em seu coração? Ali, no meu coração, coisas muito feias foram cometidas.
Ah, não deve haver um mandamento que eu não tenha desrespeitado em algum momento, e nem se diga que tudo se resume a amar o próximo como a si mesmo, pois tampouco posso garantir que esse seja um hábito na minha vida. Então não estou bem mais preocupado com os meus próprios interesses, o meu próprio bem estar, minha própria segurança e o meu próprio dinheiro? Já virei a cara, já menti e fiz de tudo para não atender um pedido por dinheiro.
Há tantas coisas para se falar! Já comprei e já baixei produtos piratas, já combati alguém por pura inveja, já me achei superior aos outros, já julguei e já condenei muitas pessoas sem ter base para isso, já cobrei dos outros coisas que eu mesmo não fiz – já fui, e essa dói para confessar, um perfeito hipócrita. E não se iludam com os verbos no passado, pois, de vez em quando, ainda é dessa maneira que eu ajo.
Certamente há mais coisas que no momento não me ocorrem. O que está aí exposto, contudo, já é suficiente para evidenciar quão longe eu estou de atender as exigências absolutas de nosso tempo. Na esperança de que a confissão possa ter atenuado um pouco a gravidade dos meus atos é que espero que os leitores, por favor, passem pano para mim.