Acho Brasília uma cidade de difícil poesia – há muita matemática e geometria nas ruas. A própria arquitetura da cidade rende, quando muito, poemas concretos. Suspeito, inclusive, que os letreiros com os itinerários dos ônibus tenham sido feitos por Ferreira Gullar. Brasília talvez não seja de difícil poesia, mas de poesia difícil. Mas imagino que alguma coisa escape disso nas cidades-satélites – elas são tão diferentes de Brasília que também é de se esperar que nelas a poesia tenha contornos próprios.
Uma dessas cidades se chama Riacho Fundo. Diz o delegado que é uma cidade muito amada, que arranca elogios de todo mundo. Mas ele diz isso em versos, então é bem provável que esteja exagerando. De qualquer forma, não parece nenhum exagero afirmar que o delegado de Riacho Fundo gosta de poesia. E, como muita gente, escreve poesia. Só que ao contrário da maioria, que deixa os seus textos esquecidos dentro de uma gaveta, o delegado de Riacho Fundo achou que seria interessante mostrar para as outras pessoas aquilo que escreve. Talvez as pessoas estivessem precisando de poesia, afinal.
E sobre o que escrevia? Ora, o delegado provavelmente sabia que não caia bem a uma pessoa com a sua autoridade escrever dolorosas elegias para musas impossíveis. Por isso, achou que não haveria outra coisa a se fazer senão escrever coisas do seu ofício de delegado. É possível que sentisse falta de um pouco de poesia no ambiente da delegacia. Decidiu então inovar: ao prender um homem acusado de andar em moto roubada, escreveu um relatório todo em versos sobre o episódio.
O preso pediu desculpa/ Disse que não tinha culpa/ Pois só estava na garupa/ Foi checada a situação/ Ele é mesmo sem noção/ Estava preso na domiciliar/ Não conseguiu mais se explicar/ A motocicleta era roubada/ A sua boa fé era furada.
E por aí seguia o relato da prisão, que o delegado havia resolvido fazer em poesia, pois carrega no peito a magia/ de quem ama a fantasia/ de lutar pela Paz ou contra qualquer covardia.
Decidiu então inovar: ao prender um homem acusado de andar em moto roubada, escreveu um relatório todo em versos sobre o episódio.
Ora, logo se vê que a poesia é má. Ao longo do relatório, o delegado rima autorização com tranquilão, e testemunhá com chará, por exemplo. Alguns jornalistas, não tendo conhecimento algum sobre poesia, resolveram consultar um especialista, apenas para se certificar da impressão que tiveram sobre a baixa qualidade do texto. Pois o especialista confirmou tudo: jamais havia visto coisa tão mal escrita. Chamar de poesia era um crime. E foi provavelmente por isso que a Corregedoria da Polícia Civil resolveu devolver o texto ao seu autor. Percebendo que ele não levava muito jeito, solicitaram que o relatório fosse escrito nos termos tradicionais.
Insatisfeito, o delegado passou o relatório para outra pessoa. Diz que não infringiu regra nenhuma – em nenhum lugar está escrito que a poesia é proibida. E, por isso, não desistiu da ideia: vai tentar um diálogo com a Corregedoria/ para ver o que é possível fazer em harmonia. Até que isso aconteça, a delegacia está condenada a passar os seus dias sem poesia. Eu queria dizer ao ilustre delegado que ele escolheu o gênero errado: para falar do homem e suas misérias, nada melhor que um cronista – que não fala coisas sérias, mas ao menos dá algumas pistas.