Vamos chamar José de Joe. Ele, afinal, tem verdadeiro pavor do trivial. Foge do prato feito como o diabo da cruz. Em seu recente delírio de sofisticação despojada, ele tem certeza de agora levar uma vida diferenciada (ele ama esse adjetivo!), distante do dia a dia fast food de seus ex-colegas de faculdade, que ainda insistem em lembrá-lo dos tempos em que ria antes de pensar. Que gente mais inconveniente!
No roteiro que escreveu para si mesmo, tudo é uma questão de harmonização. Deixou a barba crescer, porque é tendência, e o deixa mais másculo. Mas faz questão de apará-la e frisá-la a cada quatro, cinco dias. E, para manter-se em forma, anda malhando naquela academia top que abriram no shopping. Depois dos treinos, vai bem uma tigela de açaí, degustada, entre risos e algumas comprinhas, em companhia de seus novos amigos.
Falando neles, anda procurando um apartamento com sacada gourmet, onde possa recebê-los com conforto e aconchego. Afinal, o céu é o limite! E ainda sobra espaço na varanda gastronômica para bater uma panelinha quando o caos político instalado no país exige uma postura mais crítica e participativa. Afinal, somos todos responsáveis, não é mesmo?
“No roteiro que escreveu para si mesmo, tudo é uma questão de harmonização. Deixou a barba crescer, porque é tendência, e o deixa mais másculo. Mas faz questão de apará-la e frisá-la a cada quatro, cinco dias.”
Joe e sua turma adoram pegar um cineminha, mas de preferência em salas vip. Com direito a pipoca temperada e prosecco. Senão, uma cervejinha artesanal, também serve. Mas daí tem de ser depois da sessão, naquele boteco cujo dono contratou um designer de interiores, a quem pediu, expressamente, um ambiente vintage, entre um pé-sujo carioca e um diner de Williamsburg, no Brooklyn nova-iorquino. Tudo muito cuidadosamente despojado. Esse é o segredo: passar desapego aos clientes.
Uma das mais recentes aventuras de Joe foi um curso intensivo de enologia, nos quais descobriu ter papilas gustativas bastante sensíveis, capazes de discernir, em poucos goles, as notas de tabaco, carvalho, baunilha ou frutas vermelhas de seus vinhos prediletos. Ele também anda deslumbrado com as múltiplas possibilidades da tapioca, já que, depois de consultar-se com um médico ortomolecular, recomendado pelos colegas de malhação, descobriu ser alérgico a glúten, condição que ignorou por mais de 30 anos.
Tudo isso faz com que Joe se sinta feliz e consiga levar, como ele mesmo adora dizer, “uma vida simples, orgânica”. Anda até pensando em voltar a se chamar José. É mais roots.